3.9.06

LIVROS

1. A Longa Blasfémia, Jorge Melícias, Objecto Cardíaco (2006)

A depuração só tem um problema: fica-se com menos letras para encher as páginas. Mas não há problema, sempre se pode ler umas quantas vezes, não é? Sobretudo num caso destes, em que há uma clara e bem sucedida aposta na intensidade. O livro é coeso, como se focasse os diferentes músculos de um corpo em esforço. Começa logo assim:

Precede o alastro das foices.
Corre à frente do extermínio
como uma relha
com as crinas ao longo.
E abre a fábula.



2. Nenhuma flor (oito imagens e o dizer dos lábios), Sandra Costa/Paulo Gaspar Ferreira, Belgais/In-Libris (2004)

Um livro sobre que dizer bonito não ofende (coisa rara?), são negras contorções pela esconjuração de tudo aquilo: árvores queimadas com a luz que basta para as fotografias de Paulo Gaspar Ferreira. Trata-se, a nota informa, de “fotografias captadas após o incêndio ocorrido em julho de 2004 na Granja de Belgais”. E lá dentro há poemas assim da Sandra Costa (não, não é minha prima):

No princípio,
o sopro é o do medo
enrolado sobre os frutos

- onde o visível se aproxima
da solidão profunda –

e acumula-se,
em círculos, a impressão
de um reino posterior
a tudo.

3. Sete Capítulos do Mundo, Ruy Ventura, Black Son Editores (2003)

Também se fala de fotografia: o caminhante olha tanto quanto caminha (“fotografo tudo./mas nada encontro/para revelar) e exercita os modos de lidar com a angústia (“…a angústia./escondo-a./porque não me pertence.”) afastando-se, bem, da auto-vitimização urbano-heróica de outras (más) poesias.

4. Muchas Veces Me Sucede Olvidar Quien Soy, Luís Ene, Palabra Ibérica (2006)

Do grande pioneiro das micro-narrativas em Portugal, a esta edição bilingue português/espanhol só falta o disco com as leituras que o próprio sabe fazer (tem jeito o rapaz).

Porque queria parecer mais magro, certo homem passou a andar na companhia de gordos. E porque queria parecer mais inteligente, passou a andar na companhia de idiotas. Verdade seja dita as coisas não lhe correram bem: os gordos achavam-no idiota, e os idiotas achavam-no gordo.


Rui Costa

2 Comments:

At 12:59 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Poder-me-ia dizer que outras más poesias são essas?

 
At 2:21 da tarde, Anonymous Anónimo said...

posso.vem em próximo post.
Rui Costa

 

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