LIVROS
1. A Longa Blasfémia, Jorge Melícias, Objecto Cardíaco (2006)
A depuração só tem um problema: fica-se com menos letras para encher as páginas. Mas não há problema, sempre se pode ler umas quantas vezes, não é? Sobretudo num caso destes, em que há uma clara e bem sucedida aposta na intensidade. O livro é coeso, como se focasse os diferentes músculos de um corpo em esforço. Começa logo assim:
Precede o alastro das foices.
Corre à frente do extermínio
como uma relha
com as crinas ao longo.
E abre a fábula.
2. Nenhuma flor (oito imagens e o dizer dos lábios), Sandra Costa/Paulo Gaspar Ferreira, Belgais/In-Libris (2004)
Um livro sobre que dizer bonito não ofende (coisa rara?), são negras contorções pela esconjuração de tudo aquilo: árvores queimadas com a luz que basta para as fotografias de Paulo Gaspar Ferreira. Trata-se, a nota informa, de “fotografias captadas após o incêndio ocorrido em julho de 2004 na Granja de Belgais”. E lá dentro há poemas assim da Sandra Costa (não, não é minha prima):
No princípio,
o sopro é o do medo
enrolado sobre os frutos
- onde o visível se aproxima
da solidão profunda –
e acumula-se,
em círculos, a impressão
de um reino posterior
a tudo.
3. Sete Capítulos do Mundo, Ruy Ventura, Black Son Editores (2003)
Também se fala de fotografia: o caminhante olha tanto quanto caminha (“fotografo tudo./mas nada encontro/para revelar) e exercita os modos de lidar com a angústia (“…a angústia./escondo-a./porque não me pertence.”) afastando-se, bem, da auto-vitimização urbano-heróica de outras (más) poesias.
4. Muchas Veces Me Sucede Olvidar Quien Soy, Luís Ene, Palabra Ibérica (2006)
Do grande pioneiro das micro-narrativas em Portugal, a esta edição bilingue português/espanhol só falta o disco com as leituras que o próprio sabe fazer (tem jeito o rapaz).
Porque queria parecer mais magro, certo homem passou a andar na companhia de gordos. E porque queria parecer mais inteligente, passou a andar na companhia de idiotas. Verdade seja dita as coisas não lhe correram bem: os gordos achavam-no idiota, e os idiotas achavam-no gordo.
Rui Costa
A depuração só tem um problema: fica-se com menos letras para encher as páginas. Mas não há problema, sempre se pode ler umas quantas vezes, não é? Sobretudo num caso destes, em que há uma clara e bem sucedida aposta na intensidade. O livro é coeso, como se focasse os diferentes músculos de um corpo em esforço. Começa logo assim:
Precede o alastro das foices.
Corre à frente do extermínio
como uma relha
com as crinas ao longo.
E abre a fábula.
2. Nenhuma flor (oito imagens e o dizer dos lábios), Sandra Costa/Paulo Gaspar Ferreira, Belgais/In-Libris (2004)
Um livro sobre que dizer bonito não ofende (coisa rara?), são negras contorções pela esconjuração de tudo aquilo: árvores queimadas com a luz que basta para as fotografias de Paulo Gaspar Ferreira. Trata-se, a nota informa, de “fotografias captadas após o incêndio ocorrido em julho de 2004 na Granja de Belgais”. E lá dentro há poemas assim da Sandra Costa (não, não é minha prima):
No princípio,
o sopro é o do medo
enrolado sobre os frutos
- onde o visível se aproxima
da solidão profunda –
e acumula-se,
em círculos, a impressão
de um reino posterior
a tudo.
3. Sete Capítulos do Mundo, Ruy Ventura, Black Son Editores (2003)
Também se fala de fotografia: o caminhante olha tanto quanto caminha (“fotografo tudo./mas nada encontro/para revelar) e exercita os modos de lidar com a angústia (“…a angústia./escondo-a./porque não me pertence.”) afastando-se, bem, da auto-vitimização urbano-heróica de outras (más) poesias.
4. Muchas Veces Me Sucede Olvidar Quien Soy, Luís Ene, Palabra Ibérica (2006)
Do grande pioneiro das micro-narrativas em Portugal, a esta edição bilingue português/espanhol só falta o disco com as leituras que o próprio sabe fazer (tem jeito o rapaz).
Porque queria parecer mais magro, certo homem passou a andar na companhia de gordos. E porque queria parecer mais inteligente, passou a andar na companhia de idiotas. Verdade seja dita as coisas não lhe correram bem: os gordos achavam-no idiota, e os idiotas achavam-no gordo.
Rui Costa
2 Comments:
Poder-me-ia dizer que outras más poesias são essas?
posso.vem em próximo post.
Rui Costa
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