6.10.06

JUÍZO A GIZ

Cidade. Tapete rolante livro folhagem dossier negro
aberta noite de luzes pensar passar
avulto avulso de pés carnaduras ágeis
figurando pagens soltos passeantes de parques.
Cidade ébria de fósforos luminosa
pirotécnica de olhos de bocas silêncio.
A nuvem do desgosto em cada homem de sobretudo
preto. Tessitura de tecido duro pesado quase frágil.
ternura tépida que chora o forro coração
agasalhado ardendo galerias insuspeitas tensas
abandono quente.
Foi isso que impeliu enormes caixas de música
à avenida dos que passeiam.
Que lhes tirou o fluido nevoento do andar.
Que nos trouxe até candeeiros azuis
de não dizerem nada.
Foi isso isso tudo que coseu os bolsos. As luvas.
Sim as luvas de pano bordadas aborrecidas
as luvas de enganarem mãos
como fendas no vestuário.
O logro talvez a alegria de mentir
hipótese de pele estranha talvez o gosto
gasto de garantir o macio Maio mais amor
quem sabe se o astro cada vez mais branco
e distante ao microscópio.
Glóbulo leucémico no sangue ir
mais longe e doente Graal do amor. Amor. Que é isso?
Eu toupeira das horas tu amazona
amiga de dormidas árvores.
O lusíada em seu terraço astronomia.
Sábia a lua espia!

Ambulância e uma mulher no ventre ferida.
Caramba. Foi menos um homem nascido?
Nisto o relógio pára. Amo-te. Amo-te. Amo-te!
Socorro… Ele contigo ou comigo seria parecido.
Escrevo tenazmente desde o papiro.
Longe longe longe aquele suspiro
de luz é apenas uma estrela caída.

Dórdio Guimarães

Dórdio Guimarães nasceu no Porto, no dia 10 de Março de 1938. Poeta, ficcionista e cineasta, começou a colaborar nos filmes do pai, Manuel Guimarães, primeiro como actor e depois como assistente de realização. Durante vários anos exerceu jornalismo de rádio e imprensa, até se dedicar plenamente à realização para cinema e televisão. Tendo-se estreado como poeta no início dos anos 60, com o livro Mar de Verão (1961), da sua bibliografia constam, além de diversos livros de poemas, uma novela e um romance histórico. Com Mário Dias Ramos organizou e participou na colectânea de novos autores Poesia e Tempo (1962), estando representando em inúmeras antologias. A sua vida confunde-se com a de Natália Correia (ou «Cynthia», como a apelidava) praticamente desde que se conheceram, em 1962. O casamento de ambos viria a acontecer apenas em 1990, após décadas de amizade e realizações conjuntas. Faleceu em 2 de Julho de 1997, deixando vários livros inéditos, cujos direitos de futuras edições pertencem à Sociedade Portuguesa de Autores. »

1 Comments:

At 8:29 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Que incomparável exício
exímio exílio analógico!?,
um “sadiamente sádico”.

 

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