Dois poemas* de José Luís Tavares
TARRAFAL, 2007
José Luís Tavares nasceu em 1967 no lugar de Chão Bom, concelho do Tarrafal. Ilha de Santiago, Cabo Verde.
I
aqui onde nos aguardam rostos
tão acolhedores como o suspiro
de um fuzil
onde besta um epíteto quase
amável e valente o cadete
que filou o traseiro da mulher madura
aqui onde aos magotes íamos à confissão
p'la páscoa solenemente declaramos
nunca nos havermos punheteado
por palheiros aluídos
nem espreitado as partes pudibundas
das raparigas
munidos de astronómicos apetrechos
mesmo assim das bocas em bacamarte
ameaças do inferno gramamos
com o olho direito bifurcado
para onde cabriolavam
os verdes seios de ricardina
aqui um velho vago-mestre
dava-nos cinco c'roas por um galispo
p'ra alface pouco tenra
c'roa e meia e os restos do almoço
feijão preto não muito azedo
engrinaldado por uma ou outra mosca
que experimentou o poder da electricidade
e agora já não inquietam futuro ou descendência
aqui por campos castanhos (por vezes
verde-ranho) montado numa mula ruça
meu velho avô propagou fé e lei
embora nem muito santo nem muito juiz
mas em terras de tristeza
foi feliz e tenho dito
II
debaixo de sussurrantes nuvens
caminhava eu sustido pelo orgulho
de ser alguém dentre os meus
naquele turvo verão em que o pardal
bateu a bota eu e tu junto à charca
onde de noite assomava a rapariga afogada
nossas pilas medimos com a verde lacacam
ali começava o trilho da sede
e o paciente desterrado cumprindo a punição
ali um som de chocalhos como um sino enristado
ali ó ali sob um estendal de cúmulos
sua mercê imploramos
mas ali apenas um vento pernilongo
em seu trote alazão nessa hora então
ali soubemos que o céu algoz
não encerrava nenhum prodígio
mas quem cresceu por entre ritos
anoitece e está vivo
a eles está ligado por insolutos vínculos
como a cicatriz legível à altura do baço
legado de um domingo de salmos e porrete
* Selecção de Jorge Aguiar Oliveira
José Luís Tavares nasceu em 1967 no lugar de Chão Bom, concelho do Tarrafal. Ilha de Santiago, Cabo Verde.
I
aqui onde nos aguardam rostos
tão acolhedores como o suspiro
de um fuzil
onde besta um epíteto quase
amável e valente o cadete
que filou o traseiro da mulher madura
aqui onde aos magotes íamos à confissão
p'la páscoa solenemente declaramos
nunca nos havermos punheteado
por palheiros aluídos
nem espreitado as partes pudibundas
das raparigas
munidos de astronómicos apetrechos
mesmo assim das bocas em bacamarte
ameaças do inferno gramamos
com o olho direito bifurcado
para onde cabriolavam
os verdes seios de ricardina
aqui um velho vago-mestre
dava-nos cinco c'roas por um galispo
p'ra alface pouco tenra
c'roa e meia e os restos do almoço
feijão preto não muito azedo
engrinaldado por uma ou outra mosca
que experimentou o poder da electricidade
e agora já não inquietam futuro ou descendência
aqui por campos castanhos (por vezes
verde-ranho) montado numa mula ruça
meu velho avô propagou fé e lei
embora nem muito santo nem muito juiz
mas em terras de tristeza
foi feliz e tenho dito
II
debaixo de sussurrantes nuvens
caminhava eu sustido pelo orgulho
de ser alguém dentre os meus
naquele turvo verão em que o pardal
bateu a bota eu e tu junto à charca
onde de noite assomava a rapariga afogada
nossas pilas medimos com a verde lacacam
ali começava o trilho da sede
e o paciente desterrado cumprindo a punição
ali um som de chocalhos como um sino enristado
ali ó ali sob um estendal de cúmulos
sua mercê imploramos
mas ali apenas um vento pernilongo
em seu trote alazão nessa hora então
ali soubemos que o céu algoz
não encerrava nenhum prodígio
mas quem cresceu por entre ritos
anoitece e está vivo
a eles está ligado por insolutos vínculos
como a cicatriz legível à altura do baço
legado de um domingo de salmos e porrete
* Selecção de Jorge Aguiar Oliveira
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