INÉDITOS DE JORGE AGUIAR OLIVEIRA #50
MARIONETA ZEN
Apática e esquelética como um carapau
seco no mundo, sorriu patética – no centro
da encruzilhada onde o sol belisca o vento
– quando soltei o balão amarelo e este
atrapalhando o voo da borboleta, rasgou
em x o céu como se fosse um x-acto.
Pelo centro da cruz de luz entrou
ao teu encontro. Sabia estares aí
sentado na lágrima da saudade
à espera de notícias minhas.
Descendo à terra, dava biberões
de caldo de jerimum ao filho de oito
meses e a si, dizendo ter a abóbora tudo
o que é preciso para um corpo viver
saudável. O bebé chorando constantemente
pela roca, proteínas, minerais e carinhos.
O alento ia faltando na articulação
dos fantoches do grupo de teatro caseiro
a que pertencia sem nunca ter vindo
bater pela noitinha à minha porta
para atravessarmos a ilusão
de não estarmos sós.
Abraçando uma marioneta, foi
encontrada com a morte ao pescoço
e o rosto golpeado por mexilhões e
detritos do esgoto que outrora fora rio.
O cachorro foi o primeiro a cheirar
o abandono do menino enrolado na manta
de areia junto à betoneira duma obra.
Por ironia do destino ou ordem astral,
a sorte por esses tempos
também me tinha abandonado.
Jorge Aguiar Oliveira
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