APRENDER A CONTAR #14
PARÁBOLA DO PALÁCIO
Naquele dia, o Imperador Amarelo mostrou o seu palácio ao poeta. Foram deixando para trás, num longo desfile, os primeiros terraços ocidentais que, como degraus de um quase inabarcável anfiteatro, descem até um paraíso ou jardim cujos espelhos de metal e cujas intricadas cercas de zimbro prefiguravam já o labirinto. Alegremente nele se deixaram perder, a princípio como se condescendessem com um jogo e depois não sem inquietação, porque as suas rectas avenidas apresentam uma curvatura muito suave mas contínua e secretamente eram círculos. Por volta da meia-noite, a observação dos planetas e o oportuno sacrifício de uma tartaruga permitiram-lhes libertar-se dessa região que parecia enfeitiçada, mas não da sensação de se encontrarem perdidos, que os acompanhou até ao fim. Percorreram depois antecâmaras e pátios e bibliotecas e uma sala hexagonal com uma clepsidra, e uma manhã, do alto de uma torre, divisaram um homem de pedra, que logo perderam de vista para sempre. Muitos resplandecentes rios atravessaram em canoas de sândalo, ou um único rio muitas vezes. O séquito imperial passava e a gente prosternava-se, mas um dia arribaram a uma ilha onde alguém não se prosternou, por não ter visto nunca o Filho do Céu, e o verdugo teve de o decapitar. Negras cabeleiras e negras danças e complicadas máscaras de oiro viram com indiferença os seus olhos; o real confundia-se com o sonhado, ou melhor, o real era uma das configurações do sonho. Parecia impossível que a terra fosse outra coisa que não jardins, águas, arquitecturas e formas de esplendor. De cem em cem passos uma torre cortava o ar; para os olhos a cor era idêntica, mas a primeira de todas era amarela e a última escarlate, tão delicadas eram as gradações e tão comprida era a série.
Foi ao pé da penúltima torre que o poeta (como que alheado dos espectáculos que constituíam uma maravilha para todos) recitou a breve composição que hoje vinculamos indissoluvelmente ao seu nome e que, segundo repetem os historiadores mais elegantes, lhe proporcionou a imortalidade e a morte. O texto perdeu-se; há quem pretenda que constava de um verso; outros, de uma só palavra. O que é certo, o que é incrível, é que no poema estava inteiro e minucioso o palácio enorme, com cada ilustre porcelana e cada desenho em cada porcelana e as penumbras e as luzes dos crepúsculos e cada instante desditoso ou feliz das gloriosas dinastias de mortais, de deuses e de dragões que nele habitaram desde o interminável passado. Todos ficaram calados, mas o Imperador exclamou: Arrebataste-me o palácio. E a espada de ferro do verdugo cegou a vida do poeta.
Outros referem a história de outra maneira. No mundo não pode haver duas coisas iguais; bastou (dizem-nos) que o poeta pronunciasse o poema para que desaparecesse o palácio, como que abolido e fulminado pela última sílaba. Tais lendas, claro está, não passam de ficções literárias. O poeta era escravo do Imperador e morreu como tal; a sua composição caiu no esquecimento porque merecia o esquecimento, e os seus descendentes procuram ainda — e não a hão-de encontrar — a palavra do universo.
Jorge Luis Borges (1899-1986), Poemas Escolhidos, trad. Ruy Belo, Publicações Dom Quixote, pp. 71-74, 2.ª edição, Agosto de 1985.
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