28.5.06

Um livro corajoso

«A mim, sem preconceitos de qualquer espécie (…), o livro do autor de Crónicas Intempestivas surpreendeu-me, por duas fundamentais razões: por ser de uma leitura empolgante e por me suscitar reacções que se situam exactamente nos antípodas daquelas que tem suscitado à comunicação social, de um modo geral. Carrilho é acusado de se «julgar» inteligente, mas ele é, obviamente, inteligente; de ser convencido e arrogante, mas o livro – sobre a campanha à presidência da Câmara de Lisboa – inclui, no final, uma lúcida e até áspera autocrítica (que ninguém leu, pelos vistos); é acusado de não ter ideias, mas aquilo que no livro transcreve – e é só uma pequena parte – do seu programa eleitoral é um fascinante fervilhar de ideias que se organizam num magnífico projecto para Lisboa – de tal forma, que a sua incrível derrota nos deixa, a muitos de nós, num estado de incurável melancolia.»

«O mais interessante do livro – e altamente significativo da deontologia que preside, entre nós, a jornais e televisões (mesmo aos autoproclamados de «referência») – é o modo como implacavelmente desmonta a fabricação de «factos» e a criação de «mitos» que, mesmo depois de provados falsos (às vezes, na prova de fogo dos tribunais), persistem vivos e actuantes e preservadores de uma imagem que eles ajudaram a construir e que deles continua a abonar-se, mesmo depois de demolidos. Sim, diz-se, talvez tudo aquilo não seja lá muito verdadeiro, mas… Talvez seja mesmo falso, mas… Talvez a comunicação social tenha sistematicamente ignorado o seu projecto e as suas ideias, concentrando-se em fofoquices e ninharias, mas o tipo tem um feitio difícil e portanto temos todo o direito de achar que não tem ideias. Ou, se tem ideias, para que foi casar com uma mulher tão bonita? Coisa ignóbil, convenhamos. A verdade é que o fogo de barragem anti-Carrilho não tem consistência muito mais séria do que isto.»

«Porquê tudo isto? Porquê este encarniçamento bastante generalizado – embora haja excepções honrosas – contra Carrilho? Suspeito bem que o principal factor é a sua inteligência. A inteligência nunca foi bem acolhida em Portugal. O homem inteligente, mais cedo ou mais tarde, paga-as. António Sérgio, Jorge de Sena, irritavam constantemente o lusíada patego. Estavam mais informados, ligavam melhor as coisas, punham tudo em perspectiva, contrariavam constantemente as generalizações pacóvias dos provincianos. Régio irritou constantemente toda a gente, com as suas objecções, as suas dúvidas, os seus reaprofundamentos, a sua «mania de análise». «Fulano é demasiado inteligente para meu gosto», eis uma expressão bastante lusíada – e não só: os ingleses têm uma idêntica:
He is too clever by half

Eugénio Lisboa, in JL (24 Maio – 6 Junho 2006)
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3 Comments:

At 3:12 da tarde, Blogger Ricardo António Alves said...

O Eugénio Lisboa é um dos nossos melhores espíritos. Honro-me de ser seu admirador (e também devedor).

 
At 2:40 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Caro Henrique:
Considero, a série de posts seus sobre o "caso Carrilho" um verdadeiro serviço público, contra a mediocridade. Estou-lhe pessoalmente reconhecido. O seu exemplo deu origem a um post sobre Carrilho vs. Media no Ultraperiférico.
Quanto a este texto de Eugénio Lisboa: Precioso!

 
At 8:41 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Obrigado pelos comentários. O texto de Eugénio Lisboa é de facto muito bom. Deixei aqui apenas uma parte. Deve ser lido na íntegra.

 

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