10.1.07

IVG #24

Há muito que tenho para mim ser a qualidade de uma democracia percepcionável na postura que os agentes da mesma mantêm aquando dos debates mais extremos. É fácil apontar o dedo ao povo, como se o povo fosse algo de concreto que ali está para ser apontado. É relativamente cómodo criticar os participantes de um Opinião Pública, de um Antena Aberta, ou, por que não, dos milhares de weblogs que por aí vão fazendo os seus percursos opinativos como bem entendem, sabem e podem. Mas ver gente formada, de quem se espera o melhor, gente há muito instalada no poder, em cargos de decisão, discutir matérias tão sensíveis como a despenalização da IVG até às 10 semanas ao nível de quem discute o clube lá do burgo é, no mínimo, pesaroso e indicativo de uma só coisa: estamos longe, muito longe, de viver numa democracia saudável. Os principais agentes da mesma, os que deveriam ser exemplo, porque têm o proveito, resvalam frequentemente para a mais deplorável chicana política, para a hipocrisia sem limites, para o fanatismo mais perigoso, para o clubismo partidário. O debate sobre a despenalização da IVG até às 10 semanas aí está, mais numa vez, a provar e a dar razão àqueles que há muito vêm defendendo a ausência de um autêntico espaço público de reflexão na democracia portuguesa. Continuamos reféns do mediavalismo mais escabroso, da escolástica mais mesquinha, no que ao debate público diz respeito. Infelizmente é assim e o objectivo disso é apenas um: desviar as atenções do essencial. O que é o essencial? Saber se uma mulher deverá ou não ser condenada por decidir interromper uma gravidez até às 10 semanas. É só isto que está à discussão, nada mais que isto. No entanto, temos que gramar com santas a derramarem lágrimas por milhares de inocentes que podem perder a vida antes mesmo de dar o primeiro gemido, apelos ao egoísmo mais insalubre que contamina as pessoas em estado de carência, manipulações grosseiras do medo e das fragilidades sociais. É o país que temos, é a democracia que gente como o nosso PR ajudaram a construir nestes últimos 33 anos. Os exemplos pessoais valem o que valem, como é óbvio. Para já, sugiro a leitura de três histórias no feminino. Valem o que valem: aqui, aqui e aqui.
#1 / #2 / #3 / #4 / #5 / #6 / #7 / #8 / #9 / #10 / #11 / #12 / #13 / #14 / #15 / #16 / #17 / #18 / #19 / #20 / #21 / #22 / #23

2 Comments:

At 7:03 da tarde, Anonymous Anónimo said...

O erro na campanha da anterior campanha foi precisamente esse.

Nesta campanha, não podem repetir o erro de a deixar arrastar para as lamúrias das carpideiras do costume.

Não está em questão e nem interessa saber se aquela está contente por não ter abortado ou se a outra fez n abortos e está satisfeita com isso.

Só os filhos se fazem por gosto, os abortos não.

Como muito bem diz: "o objectivo disso é apenas um: desviar as atenções do essencial." e que "saber se uma mulher deverá ou não ser condenada por decidir interromper uma gravidez até às 10 semanas. É só isto que está à discussão, nada mais que isto." É tudo!

 
At 12:35 da tarde, Blogger camponesa pragmática said...

Boa, Henrique. Também gostei muito do texto da Susana.
Saudações
Ana

 

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