IVG #42
Mulheres
Mulheres felizes, grávidas de dez semanas, que têm a desventura de sofrer um aborto espontâneo não têm nos serviços de saúde um tratamento que as reconforte pela perda. Como se a vida que elas guardavam não passasse de um incidente que o futuro vai revogar. E se forem solteiras logo lhes é lançada a suspeita de acto criminoso. Assim, sem mais delongas nem perguntas que a dor da perda não é para ali chamada.
Mulheres que um dia assim perderam um filho, desde o primeiro momento sonhado, sabem que essa dor existe e que, mesmo não tendo rosto para beijar ou braços para pegar ao colo, deixa um vazio algures no coração, que outros filhos não preenchem.
Mulheres que conhecem essa dor sabem que dói ano após ano, num dia que seria de aniversário. Mas essas mulheres são também capazes de perceber que vida é mais que duas células que se encontraram e dividem. Vida é algo que se ama. Um filho é um ser que se defende.
Mulheres a quem tal desventura aconteceu sabem que há também uma dor física, lancinante, incontornável! Dor que os cavalheiros que temem a banalização nunca sentiram, nem sonharam.
Mulheres que defendem a liberdade de serem apenas mulheres, assumem a vivência dos seus afectos que abalam preceitos muito instituídos numa religião que as menoriza, ao fazer de uma virgem o pilar de um culto, louvando uma gravidez “virtual” na qual ela não foi tida nem achada.
Mulheres não querem ser mães dos filhos de Deus, querem ser mães dos seus filhos. Dos que amam desde o momento em que os sonham. Dos que amam desde o momento em que se surpreendem incapazes de os impedir de nascer.
Mulheres querem ter dignidade não só como esposas e mães mas como pessoas antes de qualquer outra coisa. E se a sua natureza, por vezes as coloca, à revelia da sua vontade, em rota de colisão com o milagre da vida o capítulo que se segue a elas deve pertencer.
As mulheres portuguesas têm nas mãos o poder da decisão. Dizer sim ou dizer não são duas faces de uma moeda. Duas maneiras diferentes de salvaguardar um bem precioso. Uma vida que começa no momento da concepção mas que se prolonga muito para além e é muito mais que isso.
As mulheres que votam sim votam também pela liberdade de dizer não.
Não sei como votaria Florbela Espanca… Ela era poeta, filha da charneca erma e selvagem… tinha garras e asas de condor… sede de infinito… e de amar…amar assim perdidamente… e dizê-lo cantando a toda a gente!... Não me parece que votasse não…
Sílvia Alves
1 Comments:
concordo!
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