APRENDER A CONTAR #28
Os meus amigos dizem-me que sou muito sugestionável. Acho que têm razão. Como argumento, acrescentam um pequeno episódio que me aconteceu na quinta-feira passada.
Nessa manhã, estava eu a ler uma história de terror, e, ainda que estivéssemos em pleno dia, fui sugestionado. A sugestão infundiu-me a ideia de que na cozinha havia um feroz assassino; e este feroz assassino, esgrimindo um enorme punhal, aguardava que eu entrasse na cozinha para se atirar a mim e cravar-me a faca nas costas. De modo que, apesar de eu estar sentado em frente à porta da cozinha e ninguém poder ter entrado nela sem que eu visse e de, excepto aquela porta, a cozinha não ter outro acesso; não obstante todos estes factos, eu, apesar de tudo, estava inteiramente convencido de que o assassino aguardava atrás da porta fechada.
Encontrava-me de tal maneira sugestionado que não me atrevia a entrar na cozinha. Isto preocupava-me pois aproximava-se a hora do almoço e seria imprescindível que eu entrasse na cozinha.
Tocou então a campainha.
— Entre! — gritei sem me levantar — Não está trancada.
Entrou o porteiro com duas ou três cartas.
— Tenho a perna dormente. — disse — Podia ir à cozinha e trazer-me um copo de água?
O porteiro disse «Claro», abriu a porta da cozinha e entrou. Ouvi um grito de dor e o ruído de um corpo que, ao cair, arrastava atrás de si pratos e garrafas. Então saltei da minha cadeira e fui à cozinha. O porteiro, com metade do corpo sobre a mesa e um enorme punhal cravado nas costas, jazia morto. Agora, já tranquilizado, pude comprovar que, realmente, não havia nenhum assassino na cozinha.
Tratava-se, como é óbvio, de um caso de mera sugestão.
Fernando Sorrentino (1942), Existe um homem que tem o costume de me dar com um guarda-chuva na cabeça, trad. António Ladeira/Hélder Semmedo, OVNI, p. 37, Outubro de 2006.
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