7.11.08

APRENDER A CONTAR #41

A DESCOBERTA E O USO DO BORRÃO DE TINTA FALSO

Não há quaisquer vestígios da aparição no Ocidente do borrão de tinta falso antes do ano de 1921, embora se saiba que Napoleão se tivesse divertido muito com o zumbidor, um dispositivo dissimulado na palma da mão que causava uma vibração eléctrica sob contacto. Napoleão oferecia a régia mão, amistosamente, a um dignitário estrangeiro, «zumbia» a palma da mão da desprevenida vítima e fazia troar o seu riso imperial enquanto o ingénuo, envergonhado, executava uma improvisada pirueta, para delícia da corte.
O zumbidor sofreu muitas modificações, a mais conhecida das quais ocorreu após a introdução da pastilha elástica por Santa Ana (julgo que a pastilha elástica foi originariamente um cozinhado da mulher que, pura e simplesmente, não foi para baixo), e tomou a forma de uma embalagem de pastilhas elásticas de hortelã equipada com um subtil mecanismo de ratoeira. O patego a quem era oferecida uma pastilha experimentava uma aguda ferroada quando a barrinha saltava sobre as ingénuas pontas dos seus dedos. A primeira reacção era geralmente de dor, evoluía para um riso contagioso e estabilizava numa espécie de sabedoria folclórica. Não é segredo que a partida da pastilha-elástica-que-morde serviu para aliviar consideravelmente as preocupações em Álamo; e, apesar de não ter havido sobreviventes, muitos observadores pensam que as coisas podiam ter corrido muitíssimo pior sem essa habilidosa atracçãozinha.
Com o advento da guerra civil, os Americanos procuraram cada vez mais escapes para esquecer os horrores de uma nação em desintegração; e enquanto os generais nortistas preferiam divertir-se com os cálices de Carnaval, Robert E. Lee fez passar a muitos um momento crucial com o brilhante uso que fazia da flor de esguicho. Nos primeiros tempos da guerra, ninguém que tenha cheirado o aparentemente «lindo cravo» da lapela de Lee deixou de receber no olho uma generosa esguichadela de água do rio Suwanee. Conforme as coisas foram piorando para o Sul, Lee abandonou esse artifício outrora elegante e dedicou-se a colocar simplesmente tachas nas cadeiras das pessoas de quem não gostava.
Depois da guerra e saltando directamente para os primeiros anos deste século e para a chamada era dos ladrões aristocráticos, os pozinhos para espirrar e as latinhas com o rótulo AMÊNDOAS, de onde várias serpentes de mola saltavam para a cara da vítima, colocaram tudo o que era respeitável na área das ninharias. Diz-se que J. P. Morgan preferia os primeiros enquanto o velho Rockfeller se sentia mais em casa com as últimas.
E eis que, em 1921, um grupo de biólogos reunidos em Hong-Kong para comprar roupa descobrem o borrão de tinta falso. Era, desde há muito, um elemento de repertório oriental de diversões, e várias das últimas dinastias mantiveram o poder através da brilhante manipulação do que parecia ser um frasco que vertia e uma horrorosa mancha de tinta, mas era, na realidade, um borrão feito de lata.
Os primeiros borrões de tinta, sabe-se, eram toscos, construídos com três metros de diâmetro e não enganavam ninguém.
Porém, com a descoberta do conceito de tamanhos mais pequenos, feita por um físico suíço que provou que um objecto de um tamanho particular podia ser reduzido simplesmente «fazendo-o mais pequeno», o borrão de tinta falso chegou a si mesmo.
Ficou em si mesmo até 1934, quando Franklin Delano Roosevelt o tirou de si próprio e o colocou noutro. Roosevelt utilizou-o inteligentemente para resolver uma greve na Pensilvânia, cujos pormenores são divertidos. Os dirigentes dos trabalhadores e da administração estavam embaraçados, convencidos de que um frasco de tinta se tinha entornado, arruinando um caríssimo sofá Império. Imaginem como ficaram aliviados quando souberam que era tudo brincadeira. Três dias depois as fábricas de aço estavam reabertas.

Woody Allen (1935), Para acabar de vez com a cultura, trad. Jorge Leitão Ramos, Livraria Bertrand, pp. 131-133, Novembro de 1980.

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2 Comments:

At 12:22 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Não verifiquei se já está atrás. Mas, só lembro que Jorge de Sena nasceu a 2 de Novembro. E o Fiodor Dostoievsky já lá vem, a 11. Apenas achegas de novembro.

I. L.

(o comentário não entra com o meu nick. Não entendo.)

 
At 10:06 da tarde, Blogger hmbf said...

Está lá para baixo com mais dois.

 

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