APRENDER A CONTAR #74
APARA-LÁBIOS
Ela marca-o a baton carregado. Ele diz "limpa-me a Marilyn", deixa cair o cigarro para o canto da boca. Ela diz "não olhes para mim com essa carinha de Jimmy". Então ele dobra o músculo pelo vinco da tatuagem e ela escolhe na máquina dos discos um Elvis dos antigos, pensa para dentro "quanto mais difícil, mais romântico". Ele monta com um ar viril na Harley e acelera parado, ela julga que ele vai fazer algum disparate por causa dela e deixa cair uma alça da blusa. Olham fatais um para o outro e no compasso de espera um repórter aparece: "o que é que vocês pensam do amor?". Ele olha para o repórter com um ar ameaçador e diz "não chateies, estamos a amar, não vês?, não temos tempo de falar sobre isso, e se não sabes o que isso é, ama, ama para aí". Ela, para não lhe ficar atrás — excepto na Harley — põe um ar altivo, fixa-o fulminante e diz "Baby, leva-me à Foz". Ele diz "sobe", arrancam os dois, o repórter esfrega as mãos de contente, contribuiu para um Love, Love Me Do, regista no gravador portátil uma frase: "A vossa mala diplomática é o tesão fechado na braguilha". E depois vai ter com a namorada: "Honey, hoje fiz uma bela acção e desisti da reportagem que queria fazer".
Joaquim Castro Caldas (1956-2008), in Convém Avisar os Ingleses, Quasi Edições, p. 81, Março 2002.
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