30.11.05
Ut pictura poesis #61 – auto-retrato feminino nº4
Imagem respigada aqui:
Catharina von Hemessen, Auto-retrato, 1548
Óleo s/tela, 33x26.5 cm
State Hermitage Museum, Rússia
Sobre a pintora:
Falas de Civilização
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as cousas humanas postas desta maneira.
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para quê te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as cousas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!
Alberto Caeiro da Silva nasceu em Lisboa a 16 de Abril de 1889. Nessa cidade faleceu, tuberculoso, em 1915. A sua vida, porém, decorreu quase toda numa quinta do Ribatejo. Só os seus últimos anos foram passados na sua cidade natal. Ali foram escritos quase todos os seus poemas, os do livro intitulado O Guardador de Rebanhos, os do livro, ou o quer que fosse, incompleto, chamado O Pastor Amoroso. Todos esses poemas herdou-os Fernando Pessoa para publicação, tendo-os reunido sob a designação, proposta por Álvaro de Campos, de Poemas Inconjuntos. Alguns dos últimos poemas de Alberto Caeiro revelam, pela perturbação da doença, uma novidade um pouco estranha ao carácter geral da sua obra. A vida de Caeiro não pode narrar-se pois que não há nela de que narrar. O mesmo breve episódio, improfícuo e absurdo, que deu origem aos poemas de O Pastor Amoroso, não foi um incidente, senão, por assim dizer, um esquecimento. Ignorante da vida e quase ignorante das letras, sem convívio nem cultura, toda a sua obra foi dedicada à memória de Cesário Verde.
29.11.05
Anexo B
Fragmento #22 - Anjo leão, murmúrios de cordeiro
E assim foi, telefonei ao anjo leão e ele marcou um ensaio ao meio-dia, no pico do calor, deve ter gostado de me ver a suar. Quando ia a descer a sua rua, olhando os números das portas dos prédios, deparei-me com este ser em estado contemplativo, sentado num pequeno muro junto a um espaço verde, com as partituras na mão.Ele já me tinha vista de certeza há algum tempo e faltava ainda um bocado para a sua porta. O anjo foi delicado, simpático, ensaiámos como deve de ser, ele tocou bem, eu estava mais à vontade, tinha estudado a peça; deu-me sugestões e elogiou-me dizendo que “começava a existir momentos com uma certa musicalidade”. Eu estava preocupada com as peças que ele iria tocar com o coro, visto que apenas no dia do casamento se faria o ensaio. O anjo dourado com rugir de leão parecia um cordeirinho, muito memé, dizia que não haveria problema, recomendou apenas que se fizesse o Gloria de Vivaldi mais lento. Eu só lhe ofereci o bolo de laranja no fim – tive o bom pecado sempre guardado secretamente na mala, achei que não lhe podia oferecer nada de bandeja, com aquele feitio – entretanto, começámos a conversar e como já previra, estava perante um católico dogmático. Expliquei-lhe que tenho uma relação com o transcendente, que não é uma figura antropomórfica com barbas e que nunca encontrei conforto no ritual. E que Kierkegaard me fez ver a diferença entre a fé e a crença, que a vida espiritual é uma forma de liberdade, enquanto que a crença é uma prisão; e de como a fé se tornou algo longínquo para mim e foi transposto para a actividade artística. O anjo começou a sacar do latim, dizendo que antes de mais nada considerava-se cristão, depois então era pianista, professor etc... Eu disse-lhe que o Álvaro Cunhal também, que quando lhe perguntaram pelo Nobel do Saramago, se estava contente com a atribuição do prémio a um escritor comunista português, ele respondeu: - Escritor comunista? Perdão, um comunista escritor. Expliquei-lhe as semelhanças entre as ideologias políticas e a religião, ele começou a olhar-me desconfiado, dizendo que não percebia quando falava a sério ou a brincar. Respondi-lhe que aprendi muito com Kierkegaard em relação ao humor e à ironia, e que falo a sério a brincar, ou brinco com o sério. Depois passámos ao Evangelho de S. João, o meu favorito, falámos do sentido literal e simbólico que se pode ter na leitura dos textos. Ele falou-me em anjos, eu contei-lhe que os anjos actualmente são OVNIS, a mitologia contemporânea está muito mais virada para o imaginário científico. Ele estava cada vez mais desconfiado e tentou convencer-me que cristo, o deus homem, mudou a visão do que era um rei, um chefe político. Eu disse-lhe que também admirava Ghandi, o cristo indiano. E que gostava mais do deus homem, do deus filho, porque não é cruel como o deus pai que é a lei, castiga e é cruel. O deus filho é bonzinho... ele dizia que deus é só um, eu respondi-lhe que a natureza tem tudo isso. Por fim, ofereci-lhe o pedaço de bolo e ele ficou radiante, foi logo guardar num pratinho. Fiquei radiante com este segundo encontro, achei que o anjo alimentado com fina doçaria era já um anjo caído, mesmo que depois tivesse de pagar um arrendamento ao divino.
Maria João
Ut pictura poesis #60 – Auto-retrato feminino nº3
Sofonista Anguissola, Auto-retrato, 1556
Óleo s/tela, 66x57cm
Museu do Castelo Lancut, Polónia
Sobre a pintora:
28.11.05
Adília Obrou
1
halibut
a recusa da Adília
começa com a prima
aninhas de capacete
cinzento e risca branca
num carro rápido
à infância
nunca percebeu
irritava
porque é que a
prima aninhas
tinha que de 3 em 3
horas ir mudar
a fralda ao Tinoco
2
ainda acho mais
importante as formigas
do Zeca Afonso do que
as baratas da adília
3
se fosse a Adília escrevia
ninguém é inocente
no que ventre
eu sei lá mas gosto
de imaginar o que
a Adília dente
4
um vidro
com dois beijos
são dois olhos
olhei os teus olhos
eu não vi mais nada
a partir daí
meu rapaz
vai embora
deixa entrar o sol
no meu quarto de solteira
5
senti o fio das tuas calças
a enrolar-se nos meus dedos
levando o meu diamante
aumentando em muito
as velas no meu bolo
de aniversário
6
não há necessidade
de esquecer
passando os primeiros
anos
não há idade
para uma poeta
falar de outra poeta
com amor.
7
a traça baleada
prateia a noite
na minha camisola
buraco de traça
preto no prata
daí a adília
salta
Nuno Moura
mistura-se com a marca destas pedras
as ruas voam pelas insónias
posamos para ti
lisboa cidade homossexual
as ruas são anjos
no deserto a dança dos actores
lembram o seio da agitação menstrual
quando os homens chegaram
de lanças em punho
despojaste o amor
as canções
juízos e ritos
os teus escritores e heróis
permanecem barcos à vela
navegando no teu sexo
não nos explicas esse desejo
iluminas a noite com suspiros
LAMBORGHINI 3000.5
Rui Costa
25.11.05
Um Cavaco Só Ares
Da educação dos mais grandes (sic)
Da educação dos mais pequenos
24.11.05
Mrs. Luxembourg remisturado por TAV 69
9
quando o sol se põe
os corvos fazem a sua
dança do ventre
juntam-se em bandos
para angustiarem
a tua bebedeira
a mim inquietam-me
os subterrâneos do inferno
sob a última cerveja
10
na fronteira francesa
os cães descobriram
0,59 gramas de haxixe
num antigo drum
que enalava 1000 gramas
de história florestal
obrigaram-me a fazer
um exame ao recto
e descobriram que eu
não tinha droga
mas tinha um cancro
filhos da puta
não descobrem droga
e ainda dizem que eu
tenho um cancro
11
de toda a nossa
aprendizagem em conjunto
levo a importância
do colchão camping gaz
12
sempre todo protegidinho
pela escrita
e pelos caderninhos
e pelas canetinhas
e pelas bengalas do paulo condessa
e pelo santo hoegaarden
13
vou ficar acordado
até de manhã
com a excitação
de nos separarmos
Nuno Moura
Ut pictura poesis # 59 - Duche
David Hockney, Homem a tomar duche em Beverly Hills, 1964
Acrílico s/tela, 167x167 cm
Tate Gallery, Londres, Inglaterra
23.11.05
"VÍCIO DE MARFIM", de António Sancho
Eu tenho um corpo fermentando no amor que ponho a dar.
Um súbito e vagaroso leite, uma alavanca de suor.
Preocupa-me o medo, a única função. Os passos
nunca dados nas rútilas que são flores por destruir.
É preciso imaginar espelhos ainda inteiros. E parti-los,
esquecê-los muito, parti-los muito
com os olhos abismados perto, tão em cima.
Descompreender o mundo, ou seja, seduzir
por dentro do imparável sono como a água
nasce.
Os cavalos doces desistem muitas vezes.
Mas transformam os rios quando as cidades chegam
dispostas a tudo: abrindo as imagens nas paredes
sábias: desocultando Deus, homem
eternamente grato.
Eu brinco maduramente por cima da pele.
Brinco e ressuscito e tudo quanto brinco
é dilatação e inocência. Quem eu fui
ri e eu oiço a sua circunstância: dura impregnada
uma voz no sangue. Por ela nego e chamo poucamente
quem se inflama. Eu sou humano e oiço com as mãos.
Sem melancolia, porque o sublime é isto.
Há, parece-me evidente, ecos de autor que muita semente atirou a chão de poesia portuguesa, Herberto Helder, presente no aparato metafórico que percorre o poema de ponta a ponta (até um final algo frouxo, diga-se, em desarmonia com o resto do poema), no tom luxuriante com que o corpo se revela no poema (o "corpo fermentando", a "alavanca de suor"), no jeito (algo) barroco como a primeira pessoa desarma o mundo com sua arma de brincar ("Eu brinco", "brinco e ressuscito", "tudo quanto brinco"): poesia, repetida, desdobrada, de mítica criação que a muitos soa afastada do mundo mais perto em que alguém vive e é também poeta ainda que não saiba: nós, eu e o leitor, embora António Sancho não se fique por aqui. E arrisca outros registos, correndo o risco de perder (Mário de Sá-Carneiro, também ele presente, reconheceria o título e outros "vícios" deste livro) Em outro post talvez, havendo tempo e jeito.
Rui Costa
Fragmento # 21 - Anjo dourado
Maria João
Ut pictura poesis #58 – auto-retrato feminino nº2
Anna Bilinska-Bohdanowicz, auto-retrato com avental e pincéis, 1887
Óleo s/ tela, 116.84x 90.17cm
Museu Nacional de Cracóvia, Polónia
Sobre a pintora:
Soledade,
Merda
Cavacas
22.11.05
Sobre a tolerância
Mrs. Luxembourg remisturado por TAV 69
5
o cinzeiro do jean cocteau
uma famous grouse
rotas aéreas
mato-te
mato-te
6
entre mim e ti
o poema é um salvado
é o que se consegue lembrar
num momento que pode
ir de 1 segundo a 5 minutos
em tempo de abades
7
nós já nem nos detectamos
nem o cheiro a mijo
nem o mijo
que deitamos para fora
tu de pé
e eu de cima do bidé
8
o que é que eu sei
verdadeiramente de ti
o que é que eu sei
verdadeiramente de narcisos
Nuno Moura
Impressões sobre o Prós & Contras de ontem
O Melhor Blog do Ano
dos últimos trinta anos
Ut pictura poesis 57– Auto-retrato feminino nº 1
Frida Kahlo, Auto- retrato com o cabelo cortado, 1940
Óleo s/tela 40x27.9 cm
Museu de arte moderna, Nova Iorque, EUA
21.11.05
Mrs. Luxembourg remisturado por TAV 69
1
Rue do casino
avec un charman volontuse
j´ai achetez cette cadeaux
pour écrit mon fond
pomplose
2
o que é
é uma frase dita
que tem um gesto
que a substitui
que é horrível
3
uma lista vermelha
uma listra amarela
e uma saia branca
meias rosa
de que país é?
de que equipa
de futebol é?
de que noite é?
4
andei atrás de uma mulher
em amesterdão
sempre da mesma mulher
conheci amesterdão inteira
de bicicleta atrás
da mesma mulher
atámos oito ou nove multidões
sem mapa
perdemos o sítio das bicicletas
entre a parada gay
champanhe aos poucos patos
dos canais de amesterdão
Nuno Moura
Podia a todos refutar a rir.
Mas preferi, bebendo na ampla sombra,
Indefinidamente só ouvir.
Manda quem manda porque manda, nem
Importa que mal mande ou mande bem.
Todos são grandes quando a hora é sua.
Por baixo cada um é o mesmo alguém.
Não invejo a pompa, e ao poder,
Visto que pode, sem razão nem ser.
Obedece, que a vida dura pouco
Nem há por isso muito que sofrer.
Fernando Pessoa nasceu a 13 de Junho de 1888 em Lisboa. Aos cinco anos morreu-lhe o pai. Devido ao segundo casamento da mãe, em 1896, viveu na África do Sul entre 1895 e 1905. Frequentou, durante um ano, uma escola comercial e a Durban High School e concluiu, ainda, o «Intermediate Examination in Arts», na Universidade do Cabo. Já nesse tempo redigiu, sozinho, vários jornais, assinados com diferentes nomes. De regresso definitivo a Lisboa, em 1905, frequentou, por um período breve (1906-1907), o Curso Superior de Letras. Após uma tentativa falhada de montar uma tipografia e editora, «Empresa Íbis — Tipográfica e Editora», dedicou-se, a partir de 1908, e a tempo parcial, à tradução de correspondência estrangeira de várias casas comerciais, sendo o restante tempo dedicado à escrita e ao estudo de filosofia (grega e alemã), ciências humanas e políticas, teosofia e literatura moderna. Levando uma vida relativamente apagada, colaborou na revista A Águia, da Renascença Portuguesa, com artigos de crítica literária sobre a nova poesia portuguesa. Em 1915, com Mário de Sá-Carneiro, Luís de Montalvor e outros poetas e artistas plásticos com os quais formou o grupo «Orpheu», lançou a revista Orpheu, marco do modernismo português. Em 1934, concorreu com Mensagem a um prémio da Secretaria de Propaganda Nacional, que conquistou na categoria B, devido à reduzida extensão do livro. Colaborou ainda nas revistas Exílio (1916), Portugal Futurista (1917), Contemporânea (1922-1926), Athena (1924-1925) e Presença. Em 1920, iniciou uma relação sentimental com Ophélia Queiroz (interrompida nesse mesmo ano e retomada, para rápida e definitivamente terminar, em 1929) testemunhada pelas Cartas de Amor de Pessoa, organizadas e anotadas por David Mourão-Ferreira, e editadas em 1978. Em 1925, ocorreria a morte da mãe. Fernando Pessoa viria a morrer uma década depois, a 30 de Novembro de 1935 no Hospital de S. Luís dos Franceses, onde foi internado com uma cólica hepática, causada provavelmente pelo consumo excessivo de álcool.*
SONETO FODIDO
oh foder foder imaginadamente
foder só por foder, oh sim, oh vem,
na cama, no chão, no cu e pela frente
foder e mais foder, a prima e a ti também.
Com preservativo ou não é indiferente
quero prender-te muitas vezes, meu bem,
à cama, com algemas, como vi alguém
fazer num filme, oh sim, sofregamente!...
Fodo em punhetas mil a tua guida
e preciso de acalmá-la assim florida
pois se tenho este marmalho é pra foder!
E se uma noite não houver mais nada
na televisão ou internet, oh que maçada,
oh sim! oh sim! então é que vai ser!...
Rui Costa
20.11.05
Uma Insónia Filosófica
vigília noemática:
alternativas impressionistas
crescem num instante descontínuo
por dentro das mentes
dos seres mais díspares
tentativa de recriar uma posição
ou suposição
relativa à essência de uma flor ou de uma pedra
ervas alastram
e amordaçam pessoas
em hordas de libertação
esvoaçar sobre esses campos psicológicos –
desertos enraizados no vazio da imaginação
máquinas lógicas
por que há-de a pedra ter uma essência?
Por que não deixar a flor florir?
2.
tentam preencher espaços humanos
onde a humanidade não cabe
como que substituindo cérebros
como que ofuscando a imagem primordial: estagnação
na penumbra da criatividade possível
as ideias desmaiam como seres últimos
dos verdadeiros desejos: passividade
homens recordação embalados
em sacos de plástico
que são os devaneios ancestrais
dos futuros recordados: repugnância
fazei-me então um favor –
silenciai vossas intenções
que nos falta a paciência
para um ultraje de moscardo
tautologias –
estagnação passividade repugnância: vómito
3.
o sete transfigura-se:
o futuro é a condição primeira de um passado
por coagular
matar o tempo que não há?
tudo é eterno
no seu modo singular de ser
esconderam os versos da sensibilidade
dos ritmos
ser humano tornou-se vil
porque a humanidade é agora
uma esmola dada à natureza
os insectos cagam
e as moscas sentem-se atraídas
o acto repugna
a forma última de ser reconhecimento
há a memória de um facto fictício
mas embutido no bolso traseiro
do indómito
4.
sobre o que fica por dizer:
desespero-me
num consciente infusível
sufoco
é-me difícil respirar
doentio é o silêncio de um deus omnifaltoso
e asmático
esse criador de todas as coisas
entre as quais uma liberdade por ser
que é a forma de ser humana
atropelando-se na causa
de todo o ódio nauseante
a atrofia invejosa
que a acomodação sublinha
matar o pensamento
é essa a missão dos dias
a vida é o sabor dos que esquecem
até a memória mais não ser
que um mero curvar de testa
Manuel Bento nasceu numa cidade fantasma no dia 20 de Novembro de 1974. Desapareceu subitamente, alguns dias após a publicação da sua única obra desconhecida: Neoménia seguido de Outros Exorcismos. Os seus primeiros poemas (E quem disse que o que se diz, Elegia do momento) apareceram publicados em Março de 1995 numa Antologia de Poesia Portuguesa Contemporânea que à data da primeira e única edição já tresandava a mofo. Dois anos de silêncio permitiram-lhe apurar o verso transatlântico, de raiz claramente metasurrealista. Neoménia aparece em Setembro de 1997, sem depósito legal, numa editora que nunca exisitu. A abrir, epígrafes de Álvaro de Campos e Marguerite Yourcenar. A fechar, dez poemas em prosa, que o autor intitulou de Outros Exorcismos, mais duas epígrafes: uma de António Maria Lisboa, a outra de Jean Genet. Sabe-se ainda que o espírito de Manuel Bento reencarnou no corpo de Juraan vink que, por sua vez, se desdobrou em múltiplas personalidades de um só acorde.
19.11.05
Sobre manifestações de afecto nas escolas:
As Manifestações de Afecto
"We do not torture."
Military Police wheel a detainee to an interrogation room at Camp X-Ray
In March 2004, the U.S. military released five British prisoners and sent them back to the U.K. Four of the men were arrested under the Terrorism Act. The other was detained by immigration authorities. All five of the men were released without charges. Three of the men later said they had been systematically abused while in Camp Delta. Their lawyers prepared a 115-page report based on their allegations that they were beaten, injected with drugs, deprived of sleep, hooded, and subjected to body cavity searches, and sexual and religious humiliations.*
Guantánamo Bay - a human rights scandal
18.11.05
MUSICOL 2# KHONNOR ("Handwriting")
"Handwriting" é exemplo dos caminhos que a música tem vindo a tomar: maior virtualização. Há muita tecnologia disponível e dispensa-se o domínio físico dos instrumentos no fabrico de música (ou alteram-se as formas desse domínio, numa tendência que permitiu, nas duas últimas décadas do século XX, que os DJs passassem de meros "seleccionadores" de música a compositores/artistas). Continua a ser preciso saber música, ou ter sensibilidade musical, mas o compositor passa a ter um papel menos orgânico, como se o conceito dispensasse o investimento de presença física (na verdade pode opor-se a isto que "tudo" continua a ser físico com a diferença que o "físico" de ontem já não é o "físico" de hoje, da mesma forma que o cubismo ou toda a pintura abstracta não deixaram de representar o real; e o que às vezes se chama "abstracto" é tão real como uma taça de frutas).
Não há campos isolados e vale a pena fazer analogias para perceber. A virtualização da pintura é a mesma (em termos fundamentais) da música ou da literatura ou da engenharia. O que o Khonnor faz com a música, fazem desenhadores com software de ilustração, BD, desenhos animados. Ou acham que é por acaso que cada vez é preciso martelar menos as teclas do computador para escrever (nas máquinas de escrever antigas a distância entre a superfície das teclas e o limite do seu movimento mecânico eram vários centímetros; daqui a algum tempo será zero, altura em que não será preciso tocar nas teclas para escrever)?
Entretanto o Khonnor mudou de casa e não levou os pais.
É ouvir, que tem o seu interesse.
67 motivos para faltar (à greve)
CÃO ATÓMICO
Este cão tem folhas nas orelhas,
Com quatro talos:
Mas o que este cão devia ter era calos,
E só tem olhos e ossos
E morrinha num dente!
Mas, meu Deus, este cão
Quase o diria meu irmão:
Parece gente!
2.
Este cão é redondo. Está deitado,
Rosna com gengivas de uivo.
Dizem-me que foi lobo,
Mas perdeu a alcateia
Como os homens perderam a Razão,
Que hoje serve de osso ao cão
Escapo ao cogumelo nuclear.
E por essa razão se foi deitar.
Vitorino Nemésio nasceu na Praia da Vitória, Terceira, a 19 de Dezembro de 1901 e morreu em Lisboa a 20 de Fevereiro de 1978. Interrompeu os estudos liceais, feitos nos Açores, para assentar praça como voluntário. Cabo de infantaria e empregado de escritório, em Lisboa, tornou-se profissional em 1921 como redactor de A Pátria. Revisor da Imprensa da Universidade, em Coimbra, em 1922 matriculou-se na Faculdade de Direito e depois na de Letras, acabando por se licenciar no ano de 1931 em Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa, onde se douturou em 1934 com o estudo «A Mocidade de Herculano até à Volta do Exílio». Ensinou nas Universidades de Mompilher e Bruxelas, antes de se tornar professor na Faculdade de Letras de Lisboa, da qual veio a ser director (1957-1959). Em Coimbra foi militante republicano académico e com Afonso Duarte lançou a revista Tríptico; percursor da Presença, colaborou nesta e fundou a Revista de Portugal, aberta a todas as tendências literárias de Portugal e Brasil na década de 30. Em 1966 recebeu o Prémio Nacional de Literatura. Da sua obra poética destacam-se livros como O Bicho Harmonioso (1938), O Cavalo Encantado (1963) ou Limite de Idade (1972).
CU
17.11.05
Conhecimento e poder
AINDA NÃO
não há dinheiro para partir de vez
não há espaço de mais para ficar
ainda não se pode abrir uma veia
e morrer antes de alguém chegar
ainda não há uma flor na boca
para os poetas que estão aqui de passagem
e outra escarlate na alma
para os postos à margem
ainda não há nada no pulmão direito
ainda não se respira como devia ser
ainda não é por isso que choramos às vezes
e que outras somos heróis a valer
ainda não é a pátria que é uma maçada
nem estar deste lado que custa a cabeça
ainda não há uma escada e outra escada depois
para descer à frente de quem quer que desça
ainda não há camas só para pesadelos
ainda não se ama só no chão
ainda não há uma granada
ainda não há um coração
Do Silêncio
os cinco melhores romances de escritores portugueses, escritos em Português, nos últimos trinta anos
António Victorino d’Almeida: Coca-Cola Killer (1981)
Virgílio Ferreira: Para Sempre (1983)
José Saramago: O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991)
Mário de Carvalho: Fantasia Para Dois Coronéis E Uma Piscina (2003)
16.11.05
Fragmento # 20 – O silêncio da escrita
Um mapa é sempre imagem de um território, esquematização de um espaço que nos pode dizer de onde vimos, onde estamos, para onde vamos. Os mapas de Ana Hatherly não nos dizem, apenas sugerem: é possível seguirmos os rastros da sua escrita como se fosse o fio de Ariana. A escrita destes mapas é ilegível, o seu som foi obliterado através da forma da própria escrita, restando os traços do gesto que a mão da autora percorreu. Trata-se assim de uma catarse cartográfica.
Maurice Blanchot descreveu-nos um fenómeno apelidado de preensão perseguidora (L´Espace Littéraire, p-19), que sucede na acção de escrever. Neste acto, existe uma mão portadora de uma espécie de doença, que pega num lápis e não o quer largar para escrever infinitamente. A mão entra assim numa existência preciosa e o que tem depende da sua sombra. A mão escreve inserindo-se num outro tempo, num tempo infinito, tornando-se sombra no tempo. Existe porém outra mão, que interrompe a escrita, criando o ritmo, um cosmos nesse tempo não humano. O tempo no acto de escrever torna-se sombra do silêncio e a mão que pára a mão doente sabe como é importante o que forma nesse tempo, porque existe uma intimidade da escrita com o silêncio, com o que tem de autêntico, onde toma forma a própria escrita. Os Mapas da imaginação e da memória dão ênfase precisamente a este momento, ao acto de escrever. Este surge como traços dos gestos de um corpo ausente, sombras silenciosas que observamos em forma de mapas, memórias que não podemos ler, apenas seguir o seu curso ritmado. São rastros de um acto mágico.
A escrita no Oriente tem um carácter místico, sobretudo na China, onde os poetas são pintores e calígrafos. A escrita chinesa é ideográfica, a sua leitura exige uma correspondência de sinais visuais que se relacionam entre si. Assim, a escrita chinesa mantém um dualismo gráfico-verbal, permitindo um íntimo encontro entre a poesia e a pintura na própria estrutura. A escrita de consoantes perdeu essa dualidade, ao evoluir no linearismo do espaço, subordinando-se à linguagem verbal e tornando-se um instrumento de expressão racional. Ana Hatherly desconstrói o aspecto conceptual da nossa escrita, através da sua desemantização, pondo em evidência sobretudo o gesto de escrever, retomando o carácter mítico e simbólico que ele implica, como se fosse um calígrafo ocidental. As palavras tornam-se elementos expressivos num percurso ritmado através de gestos individuais. É a mão que pensa neste acto - pensa o incomunicável, o inefável, num gesto de pura magia.
Maria João
OS LOUCOS
O hitleriano, que barafusta.
O solícito, que dirige o trânsito.
O maníaco fala-só.
O idiota que se baba,
explicado pelo psiquiatra gago.
O legatário de outros,
o que nos governa.
O depressivo que salva
o mundo. Aqueles que o destroem.
E há sempre um
(o mais intratável) que não desiste
e escreve versos.
Não gosto destes loucos.
(torturados pela escuridão, pela morte?)
Gosto desta velha senhora
que ri, manso, pela rua, de felicidade.
CC e Sá # 2
15.11.05
Da actualidade
exibicionismo
essa vontade
que eu tinha
de nas águas
te perder…
para depois
te pescar
à linha,
com muita
gente a ver.
Ut pictura poesis # 56 - Maternidade
Paula Mordersohn-Becker, Mãe enfermeira, 1907
Têmpera s/tela Nationalgalerie, BerliM, Alemanha
14.11.05
SALMO
é o bago de uva
macerado
nos lagares do mundo
e aqui se diz
para proveito dos que vivem
que a dor
é vã
e o vinho
breve.
Carlos de Oliveira (1921-1981) nasceu em Belém do Pará, Brasil, e faleceu em Lisboa. Licenciou-se na Universidade de Coimbra em Ciências Histórico-Filosóficas. É um dos grandes poetas deste século, combinando a preocupação de intervenção social (neo-realismo) com a reflexão sobre a escrita no próprio processo da sua produção, o que cnfere à sua obra grande densidade e agudeza nos efeitos diversificados da sua leitura (Mãe Pobre, 1945, Entre Duas Memórias, 1971). Distinguiu-se como colaborador das revistas Altitude, Seara Nova e Vértice, tendo sido director desta última. Atingiu reconhecimento público na área da poesia e da ficção, tendo-se estreado com Turismo (1942), uma colectânea de poemas, e com o romance Casa na Duna (1943). **
A palavra integração
Moral das estórias # 2:
Ut pictura poesis # 55 – Soslaio
Giorgioni, Retrato de um cavalheiro veneziano, 1510
óleo s/tela, 76.2 x 63.5 cm
13.11.05
Três filmes em atraso
1.
2.
3.
12.11.05
CORAÇÃO NEGRO
Enigma ou sangue de outras vidas passadas,
suprema interrogação que me fala diante dos olhos,
signo que não compreendo à luz da lua.
Sangue negro, coração dolorido que de longe envias
incertos latidos, quentes baforadas,
pesado vapor de estio, rio no qual não me afundo,
que passa como o silêncio sem luz, sem perfume nem amor.
Triste história de um corpo que existe como existe um planeta,
como existe a lua, a lua abandonada,
osso que todavia tem a claridade da carne.
Aqui, aqui na terra lançado entre uns juncos,
entre o verde presente, entre o sempre fresco,
vejo essa pena ou sombra, essa linfa ou espectro,
essa suspeita solidão de sangue que não passa.
Coração negro, origem da dor ou a lua,
coração que outrora pulsaste entre umas mãos!
Beijo que navegaste por uma veias rubras,
corpo que te cingiste a um taipal vibrante!
Versão possível de HMBF.
Ut pictura poesis # 54 – Sala de aula
Anna Aucher, Aula de costura em Skagen, 1900
Óleo s/tela, 47.5x 62.5cm
New Carlsberg Glyptotek, Copenhaga, Dinamarca
Sobre a pintora:
11.11.05
Per qualche dollaro in più
Nem só o silêncio é o covil de Cavaco. A táctica dos cavaquistas é outra. Enquanto o líder, qual abutre, observa do alto o penoso processo de decomposição dos seus opositores, os séquitos do mestre vão-se entretendo acusando-os de insultos desnecessários. Putas finas, diria a minha vizinha do lado. O escudo fundamental de Cavaco não é o silêncio, é a tadinhice que os portugueses tanto apreciam. De hoje em diante ficaremos a saber que pedir contas a um antigo primeiro-ministro é falta de educação, forçá-lo ao debate é insultuoso, querer ouvir-lhe uma ideia que seja sobre o que quer que seja é sacrilégio. Cavaco, que outrora acusou os jornalistas de apenas mentirem a seu respeito, vai tendo assim na classe um aliado de peso. Ninguém lhe pergunta nada de jeito, porque ninguém lhe quer ouvir nada de jeito. As perguntas que lhe são feitas pressupõem sempre ofensas que não existiram, mas que se querem fazer existir. Logo, as respostas que se lhe ouvem são apenas acerca de assuntos que não existem. Pseudo-assuntos que fazem esquecer o que realmente importa. Temas que importam? Por exemplo, essa apregoada «fuga à convivência partidária» - táctica reconhecida a Cavaco e a Alegre (curiosamente, ou talvez não, ultimamente muito elogiado pelos apoiantes do político que antes de o ser já não o era). Por que será tão conveniente esta descolagem dos partidos nas presidenciais? Por que não quer Cavaco ser político? Por que não quer Alegre deixar de o não ser, afirmando-se alternativa? Alternativa a quê? Os três principais candidatos são maus, muito maus. Têm todos demasiados telhados de vidro. Cavaco fartou-se de dizer bem de Soares, não tem agora o que criticar. Daí o silêncio. Soares disse que apoiava Alegre. As razões por si apresentadas para o não ter feito não convencem ninguém. Alegre, ao que parece, disse que só quis mesmo avançar quando soube que o PS não o apoiava. A isto chama-se ego, não se chama pátria. Houve um tempo em que a política era de outra estirpe, um tempo em que se faziam contas à morte para ver se valia a pena viver. Agora, fazem-se apenas contas à vida. Se Jerónimo dançar bem, ainda me leva às urnas.
2 tipos de escritores
O VALOR DO VENTO
O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e
só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
o vento do inverno o vento do verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira-mar em agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto
Ut Pictura Poesis # 53 - Apetitoso
Josefa de Óbidos, Natureza morta com doces e barros, 1676
Biblioteca Municipal Braamcamp Freire, Santarém, Portugal