30.11.05

One Hundred Thousand Billion Women
(Give Or Take A Few)

Ut pictura poesis #61 – auto-retrato feminino nº4

Catharina von Hemessen

Imagem respigada aqui:

Catharina von Hemessen, Auto-retrato, 1548
Óleo s/tela, 33x26.5 cm
State Hermitage Museum, Rússia

Sobre a pintora:
Maria João

Falas de Civilização

Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as cousas humanas postas desta maneira.
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para quê te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as cousas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!

Fernando Alberto Pessoa Caeiro

Alberto Caeiro da Silva nasceu em Lisboa a 16 de Abril de 1889. Nessa cidade faleceu, tuberculoso, em 1915. A sua vida, porém, decorreu quase toda numa quinta do Ribatejo. Só os seus últimos anos foram passados na sua cidade natal. Ali foram escritos quase todos os seus poemas, os do livro intitulado O Guardador de Rebanhos, os do livro, ou o quer que fosse, incompleto, chamado O Pastor Amoroso. Todos esses poemas herdou-os Fernando Pessoa para publicação, tendo-os reunido sob a designação, proposta por Álvaro de Campos, de Poemas Inconjuntos. Alguns dos últimos poemas de Alberto Caeiro revelam, pela perturbação da doença, uma novidade um pouco estranha ao carácter geral da sua obra. A vida de Caeiro não pode narrar-se pois que não há nela de que narrar. O mesmo breve episódio, improfícuo e absurdo, que deu origem aos poemas de O Pastor Amoroso, não foi um incidente, senão, por assim dizer, um esquecimento. Ignorante da vida e quase ignorante das letras, sem convívio nem cultura, toda a sua obra foi dedicada à memória de Cesário Verde.

29.11.05

Anexo B

Estou apaixonado por uma velha. É uma velha cor de esmalte com bigodes de arame. Passa os dias dependurada no estendal a abanar como ceroulas. Não sei que faça. Se a mire, se a admire. É uma velha tão bonita que crepita dentro do meu jovial coração. É uma velha pipoca.

Fragmento #22 - Anjo leão, murmúrios de cordeiro

Na sequência do cruzamento com um anjo leão em tempo quente, fiquei atordoada, insegura e envergonhada por quase não conseguir cantar na sua presença; foi então que consultei um amigo sábio, queria saber a sua opinião sobre os acontecimentos. O migo querido avisou-me que a insegurança nos deixa como um pote de mel, ficamos pegajosos e doces, com vontade de comer colheradas ao invés de irmos à cata de flores pelos campos e jardins; de seguida enumerou-me uma enorme lista de flores, rematando com seguinte enigma: “temos tantas flores que os outros nos deixam”. O migo é mesmo maluco, não diz coisa com coisa, confessou-me que também nunca conseguiu caçar um anjo e acha que isso se deve fazer com redes de borboletas. No entanto, em termos práticos concordou comigo em relação ao bolo de laranja, afinal, o suborno é menos romântico e mais seguro.
E assim foi, telefonei ao anjo leão e ele marcou um ensaio ao meio-dia, no pico do calor, deve ter gostado de me ver a suar. Quando ia a descer a sua rua, olhando os números das portas dos prédios, deparei-me com este ser em estado contemplativo, sentado num pequeno muro junto a um espaço verde, com as partituras na mão.Ele já me tinha vista de certeza há algum tempo e faltava ainda um bocado para a sua porta. O anjo foi delicado, simpático, ensaiámos como deve de ser, ele tocou bem, eu estava mais à vontade, tinha estudado a peça; deu-me sugestões e elogiou-me dizendo que “começava a existir momentos com uma certa musicalidade”. Eu estava preocupada com as peças que ele iria tocar com o coro, visto que apenas no dia do casamento se faria o ensaio. O anjo dourado com rugir de leão parecia um cordeirinho, muito memé, dizia que não haveria problema, recomendou apenas que se fizesse o Gloria de Vivaldi mais lento. Eu só lhe ofereci o bolo de laranja no fim – tive o bom pecado sempre guardado secretamente na mala, achei que não lhe podia oferecer nada de bandeja, com aquele feitio – entretanto, começámos a conversar e como já previra, estava perante um católico dogmático. Expliquei-lhe que tenho uma relação com o transcendente, que não é uma figura antropomórfica com barbas e que nunca encontrei conforto no ritual. E que Kierkegaard me fez ver a diferença entre a fé e a crença, que a vida espiritual é uma forma de liberdade, enquanto que a crença é uma prisão; e de como a fé se tornou algo longínquo para mim e foi transposto para a actividade artística. O anjo começou a sacar do latim, dizendo que antes de mais nada considerava-se cristão, depois então era pianista, professor etc... Eu disse-lhe que o Álvaro Cunhal também, que quando lhe perguntaram pelo Nobel do Saramago, se estava contente com a atribuição do prémio a um escritor comunista português, ele respondeu: - Escritor comunista? Perdão, um comunista escritor. Expliquei-lhe as semelhanças entre as ideologias políticas e a religião, ele começou a olhar-me desconfiado, dizendo que não percebia quando falava a sério ou a brincar. Respondi-lhe que aprendi muito com Kierkegaard em relação ao humor e à ironia, e que falo a sério a brincar, ou brinco com o sério. Depois passámos ao Evangelho de S. João, o meu favorito, falámos do sentido literal e simbólico que se pode ter na leitura dos textos. Ele falou-me em anjos, eu contei-lhe que os anjos actualmente são OVNIS, a mitologia contemporânea está muito mais virada para o imaginário científico. Ele estava cada vez mais desconfiado e tentou convencer-me que cristo, o deus homem, mudou a visão do que era um rei, um chefe político. Eu disse-lhe que também admirava Ghandi, o cristo indiano. E que gostava mais do deus homem, do deus filho, porque não é cruel como o deus pai que é a lei, castiga e é cruel. O deus filho é bonzinho... ele dizia que deus é só um, eu respondi-lhe que a natureza tem tudo isso. Por fim, ofereci-lhe o pedaço de bolo e ele ficou radiante, foi logo guardar num pratinho. Fiquei radiante com este segundo encontro, achei que o anjo alimentado com fina doçaria era já um anjo caído, mesmo que depois tivesse de pagar um arrendamento ao divino.

Maria João

Ut pictura poesis #60 – Auto-retrato feminino nº3

Imagem respigada aqui:

Sofonista Anguissola, Auto-retrato, 1556
Óleo s/tela, 66x57cm
Museu do Castelo Lancut, Polónia


Sobre a pintora:
Maria João

28.11.05

Adília Obrou

1
halibut
a recusa da Adília
começa com a prima
aninhas de capacete
cinzento e risca branca
num carro rápido
à infância
nunca percebeu
irritava
porque é que a
prima aninhas
tinha que de 3 em 3
horas ir mudar
a fralda ao Tinoco

2
ainda acho mais
importante as formigas
do Zeca Afonso do que
as baratas da adília

3
se fosse a Adília escrevia
ninguém é inocente
no que ventre
eu sei lá mas gosto
de imaginar o que
a Adília dente

4
um vidro
com dois beijos
são dois olhos
olhei os teus olhos
eu não vi mais nada
a partir daí
meu rapaz
vai embora
deixa entrar o sol
no meu quarto de solteira

5
senti o fio das tuas calças
a enrolar-se nos meus dedos
levando o meu diamante
aumentando em muito
as velas no meu bolo
de aniversário

6
não há necessidade
de esquecer
passando os primeiros
anos
não há idade
para uma poeta
falar de outra poeta
com amor.

7
a traça baleada
prateia a noite
na minha camisola
buraco de traça
preto no prata
daí a adília
salta

Nuno Moura

o teu perfume do avesso
mistura-se com a marca destas pedras
as ruas voam pelas insónias
posamos para ti
lisboa cidade homossexual

as ruas são anjos
no deserto a dança dos actores
lembram o seio da agitação menstrual

quando os homens chegaram
de lanças em punho
despojaste o amor
as canções
juízos e ritos
os teus escritores e heróis
permanecem barcos à vela
navegando no teu sexo
não nos explicas esse desejo
iluminas a noite com suspiros

m. parissy
m. parissy, pseudónimo literário do jornalista Mário Galego, nasceu na Nazaré em 1969. Começou a trabalhar como jornalista nos jornais e nas rádios da terra onde nasceu. Actualmente é repórter da Antena 1. Começou a publicar poesia, em edição de autor, aos 20 anos: corpo indómito, 1989. Da usa biografia literária destacam-se as edições na extinta non nova sed nove. Na Universitária Editora publicou, em 1999, dublin e tu. Seguiram-se títulos como morte com dedos em ferida (Edições Mortas, 2000) e mãos de arquipélago (Black Son Editores, 2003). Representado em algumas antologias e com colaboração diversa em revistas, m. parissy foi um dos organizadores de Canto de Mar – uma antologia de poesia sobre a Nazaré.

LAMBORGHINI 3000.5

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Porque nem só de carros vive o homem, é preciso falar de poesia. Da última vez que conduzi um modelo da Lamborghini fiquei desiludido e fui para a natação mais cedo. Massajador facial: népias. Distensor muscular sensual: manual. Sobrevivi, se bem que- descontractor cinético de carburação pélvix-digital: sim mas sofrível. Assim não vale a pena ser ladrão de automóveis, pensei. E fui para casa a pé, depois da natação, onde escrevi um poema verdadeiramente imortal. É sobre o Lamborghini 3000.5, uma criação minha. Tem tudo. Nunca mais cheguei atrasado à natação. Não preciso, porque ele tem piscina dentro. Um pequeno mar até. O Lamborghini 3000.5 é mais que um carro. É um poema - mundi, um mundo, que é uma forma de estar na vida. Um pórtico para o Infinito, mas sem aquelas portas de elevador que demoram montes de tempo a fechar e depois são antigas e ficam presas nas rodinhas em cima. Liga-me, dás uma volta prá semana. Ou pá outra, se não me constipar com o adrenalin rush. Inglês, pá, tás quê. Ó pronto, já começa a disparatar, raide gajo.

Rui Costa

25.11.05

Um Cavaco Só Ares

A capa da revista Sábado desta semana é enternecedora. Ficamos a saber que Cavaco, na intimidade, cantarola, diz piadas e adormece na banheira. Resta saber se palita os dentes, se tem sonhos eróticos, se limpa o cu com papel higiénico ou se o lava no bidé, se coça as virilhas e escarra antes de mijar, se escarafuncha as peles no entre dedos dos pés, se lava as mãos antes ou depois de mijar

Da educação dos mais grandes (sic)

Um aluno perguntou-me, muito admirado, por que motivo a Igreja Católica Apostólica Romana (o preciosismo é meu) proibiu a ordenação de homossexuais. Antes que eu lhe respondesse, ele disse-me logo: «Eu sei que o celibato não é a ausência de sexualidade, mas mesmo assim como é que se determina a sexualidade de alguém se não houver prática sexual?» Fiquei sem saber o que lhe dizer. Remeti-o para a página dos Suede, pedindo-lhe que dedicasse especial atenção à biografia de Brett Anderson.

Da educação dos mais pequenos

O Daniel tem 5 anos. Ontem, perguntou à minha irmã o que é um homossexual. A minha irmã tentou responder-lhe. Vai ele, muito admirado, tentou corrigi-la: «Não, não. Na minha escola isso é um gay

24.11.05

Mrs. Luxembourg remisturado por TAV 69

9
quando o sol se põe
os corvos fazem a sua
dança do ventre
juntam-se em bandos
para angustiarem
a tua bebedeira
a mim inquietam-me
os subterrâneos do inferno
sob a última cerveja

10
na fronteira francesa
os cães descobriram
0,59 gramas de haxixe
num antigo drum
que enalava 1000 gramas
de história florestal
obrigaram-me a fazer
um exame ao recto
e descobriram que eu
não tinha droga
mas tinha um cancro
filhos da puta
não descobrem droga
e ainda dizem que eu
tenho um cancro

11
de toda a nossa
aprendizagem em conjunto
levo a importância
do colchão camping gaz

12
sempre todo protegidinho
pela escrita
e pelos caderninhos
e pelas canetinhas
e pelas bengalas do paulo condessa
e pelo santo hoegaarden

13
vou ficar acordado
até de manhã
com a excitação
de nos separarmos

Nuno Moura

Ut pictura poesis # 59 - Duche

Imagem respigada aqui:

David Hockney, Homem a tomar duche em Beverly Hills, 1964
Acrílico s/tela, 167x167 cm
Tate Gallery, Londres, Inglaterra
Maria João

23.11.05

"VÍCIO DE MARFIM", de António Sancho

Rosa
Não é todos os dias que se pode saudar o aparecimento de uma nova editora (Babélia Editora) quando se trata, como é o caso, do lançamento simultâneo de cinco livros de três poetas de que espero dar conta neste e em posts posteriores. António Sancho estreia-se com três livros (na verdade é de uma estreia que se trata), um dos quais é este "Vício de marfim": "Existe vida após o nascimento", pergunta Sancho logo a abrir, e a resposta, que em livro é tripla, surge com um "eu" que se conta por exemplo assim:

Eu tenho um corpo fermentando no amor que ponho a dar.
Um súbito e vagaroso leite, uma alavanca de suor.
Preocupa-me o medo, a única função. Os passos
nunca dados nas rútilas que são flores por destruir.
É preciso imaginar espelhos ainda inteiros. E parti-los,
esquecê-los muito, parti-los muito
com os olhos abismados perto, tão em cima.
Descompreender o mundo, ou seja, seduzir
por dentro do imparável sono como a água
nasce.
Os cavalos doces desistem muitas vezes.
Mas transformam os rios quando as cidades chegam
dispostas a tudo: abrindo as imagens nas paredes
sábias: desocultando Deus, homem
eternamente grato.
Eu brinco maduramente por cima da pele.
Brinco e ressuscito e tudo quanto brinco
é dilatação e inocência. Quem eu fui
ri e eu oiço a sua circunstância: dura impregnada
uma voz no sangue. Por ela nego e chamo poucamente
quem se inflama. Eu sou humano e oiço com as mãos.
Sem melancolia, porque o sublime é isto.


Há, parece-me evidente, ecos de autor que muita semente atirou a chão de poesia portuguesa, Herberto Helder, presente no aparato metafórico que percorre o poema de ponta a ponta (até um final algo frouxo, diga-se, em desarmonia com o resto do poema), no tom luxuriante com que o corpo se revela no poema (o "corpo fermentando", a "alavanca de suor"), no jeito (algo) barroco como a primeira pessoa desarma o mundo com sua arma de brincar ("Eu brinco", "brinco e ressuscito", "tudo quanto brinco"): poesia, repetida, desdobrada, de mítica criação que a muitos soa afastada do mundo mais perto em que alguém vive e é também poeta ainda que não saiba: nós, eu e o leitor, embora António Sancho não se fique por aqui. E arrisca outros registos, correndo o risco de perder (Mário de Sá-Carneiro, também ele presente, reconheceria o título e outros "vícios" deste livro) Em outro post talvez, havendo tempo e jeito.

Rui Costa

Fragmento # 21 - Anjo dourado

Cruzei-me em pleno verão com um anjo de caracóis dourados, olhos cor de mel e mau feitio, aliás, com um rugir de leão; um anjo eborense, quase da minha geração, nunca me apareceu numa ruína de pedra, distraída como sou nunca dei pela sua existência na cidade das muralhas, devia habitar fora delas. Surgiu sim em Lisboa, à minha espera para ensaiarmos; um anjo pianista para me acompanhar a cantar num casamento. Ao telefone perguntou-me se eu era a noiva, deve ser doido, respondi-lhe que as noivas não cantam; ele resmungava com os pagamentos, que tinham de lhe pagar a viagem, o casamento não era o meu, estava apenas a tratar da música para o evento, também podia tratar de boleias e outros afins. Apanhei o autocarro, era necessário comprar um bilhete para a viagem, só tinha 5 Euros para pagar, o motorista sem troco, disse para me sentar e esperar, talvez conseguisse trocar o dinheiro com outro passageiro e eu não me podia atrasar; então sentei-me e uma senhora muito querida veio oferecer-me um módulo para a viagem que não recusei e agradeci, foi um gesto bonito, não é comum e quase me comoveu. O ser lá estava à espera, na última paragem da linha, era alto, sólido, tinha força a mais, com um ar alentejano profundo. Encaminhou-me para onde vivia, um rés-do-chão escuro, o piano ocupava-lhe o espaço da sala, o piano era a sua casa, o piano estava entre nós. Fiquei atrapalhada, ele notou que não tinha estudado as peças, estava um calor insuportável, só suava e ele rugia e resmungava, falava mal dos “amadores”. Deu-me uma rebocada que me deixou meia tonta, fiquei muito insegura. Combinámos outro ensaio e ele tentou ser mais simpático, tinha um brilhozinho qualquer para além do mau feitio, acompanhou-me até à paragem do autocarro, foi educado. No caminho para casa fiquei a pensar como poderia corromper este anjo, ele tinha a Bíblia sobre o piano, a Bíblia também estava entre nós. Lembrei-me de cozinhar um bolo de laranja e levar um bocado (um belo pecado) para ele provar no ensaio seguinte; ninguém fica indiferente ao meu bolo de laranja, quando provam querem sempre mais. Também faço um de chocolate que é muito potente. Nessa noite, tinha ensaio com o Coro de Câmara e no intervalo perguntei aos tenores se gostavam mais do meu bolo de laranja ou de chocolate e por unanimidade foi eleito o de laranja. Os tenores são quase sempre uns grandes gulosos e especialistas em sobremesas. Os baixos gostam mesmo é de comer o salgado, são uns belos garfos, não dão muito nos doces, apreciam sim bons vinhos e fumam. Não sei se estas características se podem generalizar em relação à cor de voz masculina, mas achei que devia perguntar aos tenores, visto que o anjo também tinha uma voz clara, ele também deve ser guloso. Os tenores ficaram cheios de curiosidade sobre o que se passava, o que andava a tramar, mas não lhes disse nada, deixei-os com água na boca – os tenores costumam também ser uns grandes coscuvilheiros, os graves pelo contrário são mais discretos e envolventes, estão sempre a contar anedotas e piadas entre eles, sem darem muito nas vistas.

Maria João

Ut pictura poesis #58 – auto-retrato feminino nº2

Image hosted by Photobucket.com
Imagem respigada aqui:

Anna Bilinska-Bohdanowicz, auto-retrato com avental e pincéis, 1887
Óleo s/ tela, 116.84x 90.17cm
Museu Nacional de Cracóvia, Polónia


Sobre a pintora:
Maria João

Soledade,

as palavras da ministra foram claras: «O despacho hoje designado por aulas de substituição não tinha este objectivo. As propostas que nele estão contidas são para um conjunto de actividades designadas por actividades de substituição No decorrer do debate sobre as aulas de substituição, a ministra insistiu em falar-se antes de actividades de substituição, atribuindo às escolas a responsabilidade de resolverem o problema das faltas dos professores. «Aquilo que estamos a pedir é – disse a ministra – que a escola e os professores se organizem para suprimir a ausência dos professores propondo aos alunos actividades que podem ter um conteúdo mínimo, que é o conteúdo de custódia.» Ora bem, isto merece-me duas considerações (pegando no teu comentário). 1.ª Não se trata, como sugeres, de «não se lhes [aos alunos] permitir o silêncio, nenhuma privacidade intelectual, espaço de se confrontarem consigo mesmos, liberdade de experimentarem o tédio ou de organizarem o seu pouco tempo não supervisionado.» Trata-se de preencher um tempo que eles já teriam preenchido, caso os professores não faltassem, com actividades que, entre outras, poderão precisamente ir ao encontro daquilo em que tu acreditas: «clubes, salas de alunos, campos de jogos, bibliotecas, recreios (sim!) centro de recursos com professores disponíveis para tirar dúvidas e ajudar na realização de tarefas.» 2.ª Como tu bem dizes, as aulas de substituição representam «duas concepções de escola: a que dá a primazia ao aluno, ao saber e persegue a excelência; e a que se faz para as necessidades dos adultos, aceitando substituir-se à família, servindo a lógica de empregador do estado: a escola onde toda a sociedade descarrega toda a responsabilidade (e o privilégio) de educar os jovens.» Eu sou pela primeira concepção. Por isso mesmo, sou pelas aulas de substituição. Não se trata de substituir a família, trata-se de trabalhar no sentido de a escola poder abrir novas perspectivas. É claro que isto traz problemas. O maior de todos é, mais uma vez, o medo que as pessoas têm de ser autónomas e responsáveis pelas suas opções. Deixa-me, neste sentido, contar-te uma experiência. Tentarei ser breve. Há cerca de 5 anos fui colocado numa escola com horário por completar. Sugeriram-me, no Conselho Executivo, que falasse com duas colegas de Português para preencher o horário num clube de leitura que elas tinham projectado. Assim fiz. As duas colegas começaram por torcer o nariz, argumentando que um professor de Filosofia não estaria preparado para o que elas pretendiam: ensinar os alunos a interpretar texto. Nem discuti. Meti mãos à obra e projectei uma oficina a que chamei, à falta de melhor, de Escrita Criativa. A proposta foi aceite pelo Conselho Executivo, com a condição de haver alunos interessados. Resultado: tive sempre, em média, 7 alunos. Atenção: tratava-se de alunos que se deslocavam à escola, de propósito, só para as tais sessões. Pude assim completar o meu horário. As colegas supracitadas não tiveram alunos, embora já tivessem os horários completos com um clube que se pretendia de estudo acompanhado. Se queres que eu seja sincero, o que eu acho é que elas não queriam mesmo ter alunos. Inventaram aquilo só para preencherem o horário, sem ter que fazer mais por isso. Posso garantir-te que adorei aquelas sessões na tal Oficina de Escrita Criativa. Deu para vermos e discutirmos filmes, musicarmos poemas, inventarmos palavras, jogarmos com versos, rirmo-nos com o Mário Viegas, ouvirmos poetas, etc, etc. Como eu gostaria de fazer uma coisa dessas na escola onde há cinco anos trabalho! Sabes por que o não faço? Porque na escola onde agora trabalho os professores não faltam. Estranho, não é? Talvez não. Estamos todos a recibo verde, ou seja, se faltarmos não ganhamos.
Saúde,

Merda

Os blogs eminentemente políticos não ligam nenhuma à educação. A ministra da tutela esteve num debate televisivo. Deram por isso na blogolândia? Causa Nossa: 0. Bicho Carpinteiro: isto. Bloguitica: 0. Abrupto: 0. Blogue de Esquerda: 0. Blasfémias: 0. Grande Loja do Queijo Limiano: 0. E a lista podia continuar… Ou são todos otários ou estão muito entretidos com a retórica das presidenciais lá para Janeiro. Em Portugal não se liga de todo ou liga-se muito pouco à educação. Por essas e por outras, seremos durante muitos mais anos um país de…

Cavacas

Apesar de residir em Caldas da Rainha, nunca fui apreciador de cavacas. É talvez o único doce que não aprecio de todo. Não gosto da sua textura rija, e muito menos daquelas dissimuladas manchas brancas de açúcar. As cavacas são tudo menos açucaradas. Elas raramente se enganam e nunca têm dúvidas. Mal por mal, prefiro os pastéis de nata. Às vezes ficam-nos entalados na garganta, mas um café quentinho tudo cura. Agora cavacas, nem dadas! As cavacas criam-nos monstros no estômago. São de tal forma nocivas que até há quem se queixe de ter ficado com úlceras após consumo prolongado. As cavacas deviam ser abolidas da nação. É verdade que o seu abandono das pastelarias deste país foi em tempos anunciado. Fizeram-se até fotografias disso. Mas as cavacas, ou lá quem as inventa, são vaidosas e egocêntricas. Arrogam-se no direito ao silêncio, para depois se nos virem impingir. Eu cá, não comerei cavacas. Garanto! Nem que me as ponham na mesa.

22.11.05

Sobre a tolerância

A tolerância não é permitirmos que os outros façam o que querem fazer. Quem somos nós para permitir ou deixar de permitir o que quer que seja? Imperadores romanos? A tolerância também não é baixarmos as calças aos outros. A não ser quando isso nos convém. Mais uma vez, isto não tem nada que ver com aceitar ou deixar de aceitar o outro. Repare-se no tom inquisitório do verbo: aceitar. A tolerâncio não é do domínio da aceitação, é do domínio da compreensão. A tolerância é um esforço de compreensão do outro. É darmos tempo à nossa aprendizagem do outro. É tentarmos perceber por que razões o outro é diferente de nós. Nesse esforço de compreensão, os seres humanos acabam por encontrar-se muitas vezes. Desencontrados nos pormenores, encontram-se nos "pormaiores". A isso eu chamo tolerância.

Mrs. Luxembourg remisturado por TAV 69

5
o cinzeiro do jean cocteau
uma famous grouse
rotas aéreas
mato-te
mato-te

6
entre mim e ti
o poema é um salvado
é o que se consegue lembrar
num momento que pode
ir de 1 segundo a 5 minutos
em tempo de abades

7
nós já nem nos detectamos
nem o cheiro a mijo
nem o mijo
que deitamos para fora
tu de pé
e eu de cima do bidé

8
o que é que eu sei
verdadeiramente de ti
o que é que eu sei
verdadeiramente de narcisos

Nuno Moura

Impressões sobre o Prós & Contras de ontem

A impressão de se ter passado ao lado do essencial. Uma primeira parte exaustivamente centrada nas famigeradas aulas de substituição. Para quê? Para nada. Eu, sinceramente, acho que as aulas de substituição só têm um problema: é alguém lhes ter chamado aulas de substituição. Eu sempre defendi a obrigação das escolas em darem resposta às faltas dos professores. Como é que isso se pode fazer? De várias maneiras. Dinamizando oficinas (fotografia, literatura, cinema, teatro, desporto, etc), que poderiam servir inclusive para completar horários ou dar que fazer aos inaceitáveis horários 0. O que falta é dinamismo e capacidade de organização (muito dele nos professores, outro tanto nos conselhos executivos). Tive a felicidade de trabalhar numa escola, que até era uma escola pobre, com muitas deficiências, onde só muito raramente os alunos eram deixados ao abandono sem nada para fazer que não fosse fumar charros nas traseiras dos pavilhões, brincarem aos pais e às mães e ao “Trivial por Suite” (sic) da ordinarice. Sendo assim, os verdadeiros problemas ficaram por discutir e foram muito superficialmente aflorados. São eles: ausência de critérios uniformes na formação de professores, necessidade de restabelecimento da autoridade do professor (muito bem, querida Amélia, em ter chamado a atenção para o problema), uniformização de sistemas de avaliação/monitorização/fiscalização do trabalho dos professores e das escolas, absoluta indispensabilidade da reformulação dos graus de exigência curriculares (desde o básico), salários, salários, salários. Há que não ter medo de o afirmar convictamente: os professores ganham [muito] mal (é por isso que se voltavam para as acumulações), é essencial que passem a ganhar melhor. Mas, para isso, é mister que os maus professores não sirvam de pretexto para uma avaliação injusta do trabalho desenvolvido por aqueles que são bons. A senhora ministra lá foi falando, já muito à pressa no final, de ser importante olhar para formas alternativas de premeio da actividade quando ela é excelentemente desenvolvida. Mas falar disso assim, não é nada. Mais: neste país há a ideia instalada de que quem cumpre com as suas obrigações deve ter direito a prémio. Errado. Quem cumpre com as suas obrigações não faz mais do que a sua obrigação. Os prémios são para os que fazem mais do que aquilo que lhes foi pedido. São para a excelência. Ponto final. A discussão deverá ser outra: como aferir essa excelência. Em jeito de conclusão, permito-me dizer: aproveitem esta ministra. Sinto-me à vontade para o afirmar. Não votei, não voto e, se votasse, não votaria no partido que está no governo. Mas esta ministra parece-me ir no bom caminho. Aproveitem-na, se não querem regressa à estaca 0. Ou seja, a do tudo na mesma como a lesma.

O Melhor Blog do Ano

Muita atenção, caríssimos leitores. O Insónia arrisca-se a ser o melhor blog de 2005 a porvir do melhor blog de 2004.

dos últimos trinta anos

Relativamente aos resultados da consulta de opinião, levada a cabo por A Natureza do Mal, sobre os 5 melhores romances portugueses dos últimos trinta anos, há algumas considerações a fazer. Primeiro, um esclarecimento quanto às minhas escolhas. Não sou leitor assíduo de ficção, sobretudo de ficção portuguesa. As minhas escolhas são, por isso mesmo, irrelevantes. Só para terem um exemplo, nunca li António Lobo Antunes e quanto a Agustina fiquei-me por O Manto. Limitei-me, na base da minha incultura narrativa, a escolher um livro por década, mais uma eventual extravagância (no caso, o Coca-Cola Killer do maestro António Victorino de Almeida). Ainda assim, surpreende-me ter sido o único a mencionar Finisterra de Carlos de Oliveira (José Mário Silva já não foi a tempo, para a contabilidade final, de remediar o sucedido). Surpreende-me mais por se tratar de um livro geralmente referenciado como um marco na ficção portuguesa. Também notei as escassas menções a Agustina Bessa-Luís, tida na generalidade como uma das maiores romancistas portuguesas de sempre. Outras ausências (ou quase) de peso, para mim, são as de alguns bestsellers. Provavelmente, a blogolândia lusa ou não lê bestsellers ou, a lê-los, não os toma a sério. À cabeça: O Amor é Fodido, de Miguel Esteves Cardoso (tanta tinta corrida sobre esse título para, afinal, cair na penumbra). Será que temos aqui um outro Palavras Cínicas? Neste sentido, também notei as escassas referências ao mais polémico romance de Saramago (o nosso único Nobel da Literatura, para o bem e para o mal): O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Outro livro tão palrado, para, ao que parece, tão poucas afinidades. Dos cinco mais votados, poderia ter mencionado o Memorial do Convento, Sinais de Fogo e O Que Diz Molero (embora este, só com muito boa vontade no domínio do romance). Os restantes não li, mas fiquei sensibilizado com as referências a uma obra de Maria Velho da Costa, tomada por certa "inteligência" como um subproduto da ficção nacional. De Maria Gabriela Llansol também pouco se mostrou. Compreende-se. Eu próprio, que li quase toda a sua obra, tenho dificuldade em escolher-lhe um livro e tomá-lo por romance (a escolher um, teria que ser Um beijo dado mais tarde). Por fim, quero ainda referir duas coisas: não sei se, como já escreveu Eduardo Pitta, uma consulta destas na imprensa escrita obteria resultados similares. Estou em crer que não seria bem assim, mas não me apetece agora explicar por quê. Seja como for, se assim fosse, seria muito injusta a omissão, entre outros, de Augusto Abelaira. Digo eu.

Ut pictura poesis 57– Auto-retrato feminino nº 1

Imagem respigada aqui:

Frida Kahlo, Auto- retrato com o cabelo cortado, 1940
Óleo s/tela 40x27.9 cm
Museu de arte moderna, Nova Iorque, EUA
Maria João

21.11.05

Mrs. Luxembourg remisturado por TAV 69

1
Rue do casino
avec un charman volontuse
j´ai achetez cette cadeaux
pour écrit mon fond
pomplose

2
o que é
é uma frase dita
que tem um gesto
que a substitui
que é horrível

3
uma lista vermelha
uma listra amarela
e uma saia branca
meias rosa
de que país é?
de que equipa
de futebol é?
de que noite é?

4
andei atrás de uma mulher
em amesterdão
sempre da mesma mulher
conheci amesterdão inteira
de bicicleta atrás
da mesma mulher
atámos oito ou nove multidões
sem mapa
perdemos o sítio das bicicletas
entre a parada gay
champanhe aos poucos patos
dos canais de amesterdão

Nuno Moura

Os melhores romances portugueses dos últimos trinta anos

in A Natureza do Mal.

Ouvi os sábios todos discutir,
Podia a todos refutar a rir.
Mas preferi, bebendo na ampla sombra,
Indefinidamente só ouvir.

Manda quem manda porque manda, nem
Importa que mal mande ou mande bem.
Todos são grandes quando a hora é sua.
Por baixo cada um é o mesmo alguém.

Não invejo a pompa, e ao poder,
Visto que pode, sem razão nem ser.
Obedece, que a vida dura pouco
Nem há por isso muito que sofrer.

Fernando Pessoa, por Almada Negreiros

Fernando Pessoa nasceu a 13 de Junho de 1888 em Lisboa. Aos cinco anos morreu-lhe o pai. Devido ao segundo casamento da mãe, em 1896, viveu na África do Sul entre 1895 e 1905. Frequentou, durante um ano, uma escola comercial e a Durban High School e concluiu, ainda, o «Intermediate Examination in Arts», na Universidade do Cabo. Já nesse tempo redigiu, sozinho, vários jornais, assinados com diferentes nomes. De regresso definitivo a Lisboa, em 1905, frequentou, por um período breve (1906-1907), o Curso Superior de Letras. Após uma tentativa falhada de montar uma tipografia e editora, «Empresa Íbis — Tipográfica e Editora», dedicou-se, a partir de 1908, e a tempo parcial, à tradução de correspondência estrangeira de várias casas comerciais, sendo o restante tempo dedicado à escrita e ao estudo de filosofia (grega e alemã), ciências humanas e políticas, teosofia e literatura moderna. Levando uma vida relativamente apagada, colaborou na revista A Águia, da Renascença Portuguesa, com artigos de crítica literária sobre a nova poesia portuguesa. Em 1915, com Mário de Sá-Carneiro, Luís de Montalvor e outros poetas e artistas plásticos com os quais formou o grupo «Orpheu», lançou a revista Orpheu, marco do modernismo português. Em 1934, concorreu com Mensagem a um prémio da Secretaria de Propaganda Nacional, que conquistou na categoria B, devido à reduzida extensão do livro. Colaborou ainda nas revistas Exílio (1916), Portugal Futurista (1917), Contemporânea (1922-1926), Athena (1924-1925) e Presença. Em 1920, iniciou uma relação sentimental com Ophélia Queiroz (interrompida nesse mesmo ano e retomada, para rápida e definitivamente terminar, em 1929) testemunhada pelas Cartas de Amor de Pessoa, organizadas e anotadas por David Mourão-Ferreira, e editadas em 1978. Em 1925, ocorreria a morte da mãe. Fernando Pessoa viria a morrer uma década depois, a 30 de Novembro de 1935 no Hospital de S. Luís dos Franceses, onde foi internado com uma cólica hepática, causada provavelmente pelo consumo excessivo de álcool.*

SONETO FODIDO

red

oh foder foder imaginadamente
foder só por foder, oh sim, oh vem,
na cama, no chão, no cu e pela frente
foder e mais foder, a prima e a ti também.

Com preservativo ou não é indiferente
quero prender-te muitas vezes, meu bem,
à cama, com algemas, como vi alguém
fazer num filme, oh sim, sofregamente!...

Fodo em punhetas mil a tua guida
e preciso de acalmá-la assim florida
pois se tenho este marmalho é pra foder!

E se uma noite não houver mais nada
na televisão ou internet, oh que maçada,
oh sim! oh sim! então é que vai ser!...

Rui Costa

20.11.05

Uma Insónia Filosófica

1.
vigília noemática:

alternativas impressionistas
crescem num instante descontínuo
por dentro das mentes
dos seres mais díspares

tentativa de recriar uma posição
ou suposição
relativa à essência de uma flor ou de uma pedra

ervas alastram
e amordaçam pessoas
em hordas de libertação

esvoaçar sobre esses campos psicológicos –
desertos enraizados no vazio da imaginação

máquinas lógicas
por que há-de a pedra ter uma essência?
Por que não deixar a flor florir?

2.
tentam preencher espaços humanos
onde a humanidade não cabe
como que substituindo cérebros
como que ofuscando a imagem primordial: estagnação

na penumbra da criatividade possível
as ideias desmaiam como seres últimos
dos verdadeiros desejos: passividade

homens recordação embalados
em sacos de plástico
que são os devaneios ancestrais
dos futuros recordados: repugnância

fazei-me então um favor –
silenciai vossas intenções
que nos falta a paciência
para um ultraje de moscardo

tautologias –
estagnação passividade repugnância: vómito

3.
o sete transfigura-se:

o futuro é a condição primeira de um passado
por coagular

matar o tempo que não há?

tudo é eterno
no seu modo singular de ser

esconderam os versos da sensibilidade
dos ritmos
ser humano tornou-se vil
porque a humanidade é agora
uma esmola dada à natureza

os insectos cagam
e as moscas sentem-se atraídas
o acto repugna
a forma última de ser reconhecimento

há a memória de um facto fictício
mas embutido no bolso traseiro
do indómito

4.
sobre o que fica por dizer:

desespero-me
num consciente infusível
sufoco
é-me difícil respirar
doentio é o silêncio de um deus omnifaltoso
e asmático

esse criador de todas as coisas
entre as quais uma liberdade por ser
que é a forma de ser humana
atropelando-se na causa
de todo o ódio nauseante

a atrofia invejosa
que a acomodação sublinha

matar o pensamento
é essa a missão dos dias
a vida é o sabor dos que esquecem
até a memória mais não ser
que um mero curvar de testa
Manuel Bento e a sua sombra
no Coliseu de Roma
a comerem bolachas Parmalat

Manuel Bento nasceu numa cidade fantasma no dia 20 de Novembro de 1974. Desapareceu subitamente, alguns dias após a publicação da sua única obra desconhecida: Neoménia seguido de Outros Exorcismos. Os seus primeiros poemas (E quem disse que o que se diz, Elegia do momento) apareceram publicados em Março de 1995 numa Antologia de Poesia Portuguesa Contemporânea que à data da primeira e única edição já tresandava a mofo. Dois anos de silêncio permitiram-lhe apurar o verso transatlântico, de raiz claramente metasurrealista. Neoménia aparece em Setembro de 1997, sem depósito legal, numa editora que nunca exisitu. A abrir, epígrafes de Álvaro de Campos e Marguerite Yourcenar. A fechar, dez poemas em prosa, que o autor intitulou de Outros Exorcismos, mais duas epígrafes: uma de António Maria Lisboa, a outra de Jean Genet. Sabe-se ainda que o espírito de Manuel Bento reencarnou no corpo de Juraan vink que, por sua vez, se desdobrou em múltiplas personalidades de um só acorde.

19.11.05

Sobre manifestações de afecto nas escolas:

manifestação de afecto numa escola norte-americana
***

Ver, sobre manifestações de afecto nas escolas portuguesas, aqui, aqui, aqui, aqui, etc.

Vinte e duas pessoas recebem, em média, por mês, tratamento hospitalar na sequência de agressões físicas dentro das escolas ou nos seus acessos. (...) Nos dois primeiros trimestres do ano passado, os ataques físicos atingiram 757 pessoas, das quais 569 eram crianças e jovens. A maioria das agressões (553) aconteceu dentro dos estabelecimentos e foi praticada por alunos e pais ou grupos de pais e familiares, indicam os dados do Gabinete de Segurança do Ministério da Educação.*

As Manifestações de Afecto

Estou deveras preocupado com as manifestações de afecto nas escolas. Ainda por cima entre homossexuais, essas aberrações da natureza que pretendem comandar o mundo. Na "minha escola" não há homossexuais. Ainda bem. Eu sei disso, porque já andei a piscar olhos pelos corredores e pelas salas. De vez em quando, vê-se por lá uma manifestação de afecto ou outra. Mas é sempre de acordo com os desígnios da mãe natureza e do senhor bom Deus. Um menino e uma menina à porta duma sala, por exemplo. Há também uns professores mais malandrecos que, diz que, se metem com umas alunas e coisa e tal. Manifestações de afecto que não fazem mal a ninguém. Há outras, as do costume, nada preocupantes. Por exemplo, professores que recorrem aos serviços de psicologia porque andam a sofrer pressões dos alunos. Não são muitos, na "minha escola". A "minha escola" é uma escola pequena. Mas dizem os números que, em 2004, 97 professores portugueses foram agredidos. Fala-se até em profissão de risco. Há as agressões físicas, manifestações de afecto mais incisivas, e as agressões psicológicas, manifestações de afecto mais subtis. Eu trabalhei numa escola onde fui alvo desse tipo de manifestações de afecto. Felizmente, nunca ninguém se indignou contra tais manifestações. Agora, meu Deus!, duas raparigas, dois homossexuais, aos beijos numa escola! Ai Jesus, ais Jesus, onde este país vai parar?! Dê-se cabo da paixão e do amor! A gente quer é mais gente frustrada a encher as clínicas de psiquiatria! Afinal, não há para aí tanta improdutividade e desemprego? As manifestações de afecto indignam, sobretudo as mais ignóbeis. As que surgem duma crispação epidérmica contra o amor, a paixão, o bem estar dos outros. Filhadaputice de país: tanta coisa por fazer na educação, nas escolas, e meio mundo preocupado com um linguado. Se a gente culta deste canto à beira mar plantado demonstra tanto provincianismo, tanta saloiice, tanta estupidez, com que legitimidade poderemos nós exigir ao povo que vota nas fátinhas e nos avelinos que o não faça? O povo é estúpido? É. Mas o povo, como bem sabemos, somos todos nós. (P.S.: escrito de jorro, com a garganta no nó.)

"We do not torture."


Military Police wheel a detainee to an interrogation room at Camp X-Ray

In March 2004, the U.S. military released five British prisoners and sent them back to the U.K. Four of the men were arrested under the Terrorism Act. The other was detained by immigration authorities. All five of the men were released without charges. Three of the men later said they had been systematically abused while in Camp Delta. Their lawyers prepared a 115-page report based on their allegations that they were beaten, injected with drugs, deprived of sleep, hooded, and subjected to body cavity searches, and sexual and religious humiliations.*

Guantánamo Bay - a human rights scandal

*

How i feel today
Is it the price i pay
For all my sinning
dEUS

18.11.05

MUSICOL 2# KHONNOR ("Handwriting")

O Khonnor (ou melhor, o Connor) é um rapaz de Vermont EUA que agora tem 18 anos e há um ano fez um disco que lhe trouxe sucesso internacional (não sei se passou em Portugal mas fez concertos em Espanha e noutros países). Tem a peculiaridade de fazer música sozinho, em casa e com equipamento muito pouco sofisticado: pouco mais, ao que parece, que um PC e software apropriado, para além de uma guitarra que às vezes utiliza e da própria voz, utilizada de forma comedida e por forma a não perturbar os pais que vivem (viviam) no piso de cima da casa. Experimenta bastante a panóplia de sons sintetizados (e os ritmos), que variam do sussurro minimalista ao tom quase-pop (raro) com acordes corridos às vezes sem grande ciência mas com ruído sempre a destoar o tom que por isso quase nunca é (e ainda bem) demasiado límpido.

"Handwriting" é exemplo dos caminhos que a música tem vindo a tomar: maior virtualização. Há muita tecnologia disponível e dispensa-se o domínio físico dos instrumentos no fabrico de música (ou alteram-se as formas desse domínio, numa tendência que permitiu, nas duas últimas décadas do século XX, que os DJs passassem de meros "seleccionadores" de música a compositores/artistas). Continua a ser preciso saber música, ou ter sensibilidade musical, mas o compositor passa a ter um papel menos orgânico, como se o conceito dispensasse o investimento de presença física (na verdade pode opor-se a isto que "tudo" continua a ser físico com a diferença que o "físico" de ontem já não é o "físico" de hoje, da mesma forma que o cubismo ou toda a pintura abstracta não deixaram de representar o real; e o que às vezes se chama "abstracto" é tão real como uma taça de frutas).

Não há campos isolados e vale a pena fazer analogias para perceber. A virtualização da pintura é a mesma (em termos fundamentais) da música ou da literatura ou da engenharia. O que o Khonnor faz com a música, fazem desenhadores com software de ilustração, BD, desenhos animados. Ou acham que é por acaso que cada vez é preciso martelar menos as teclas do computador para escrever (nas máquinas de escrever antigas a distância entre a superfície das teclas e o limite do seu movimento mecânico eram vários centímetros; daqui a algum tempo será zero, altura em que não será preciso tocar nas teclas para escrever)?

Entretanto o Khonnor mudou de casa e não levou os pais.

É ouvir, que tem o seu interesse.
Rui Costa

67 motivos para faltar (à greve)

É preciso ensinar aos senhores dos sindicatos de professores que o desrespeito pela classe docente começa quando se premeiam os maus professores. Só se defende a profissão docente defendendo um ensino de qualidade, um ensino onde os maus professores não tenham lugar assegurado. Os resultados do estudo do gabinete de estatística do ME (oportunistamente) publicados hoje no DN, mais do que uma resposta imbecil, a fugir consecutivamente com o rabo à seringa, obrigam a uma acção no sentido de alterar este inaceitável estado de coisas: os professores do ensino pré-escolar, básico e secundário faltaram a entre 7,5 e 9 milhões de horas de aula. Ou seja, em média, cada aluno teve três "furos" por semana. Ontem, falava com um colega, professor de Biologia, que se me queixava de já não acreditar em nada neste sistema. Confessou-me que aderiria à greve sem qualquer tipo de motivação, porque ninguém está interessado em meter o dedo na ferida. Quando se tenta discutir nas escolas a cultura de “deixa-andar” de muitos professores, as respostas que se obtêm são quase sempre as mesmas: «olha, olha, lá vem este com filosofias!» Há professores bons, trabalhadores, metódicos, interessados. Mas há muitos muito maus. Insisto nisto: enquanto os que são muito maus puderem continuar a sê-lo sem qualquer tipo de consequência visível, os que são bons serão os mais penalizados. A negligência paga-se caro. E quem a paga é quase sempre o negligenciado.

CÃO ATÓMICO

1.

Este cão tem folhas nas orelhas,
Com quatro talos:
Mas o que este cão devia ter era calos,
E só tem olhos e ossos
E morrinha num dente!
Mas, meu Deus, este cão
Quase o diria meu irmão:
Parece gente!

2.

Este cão é redondo. Está deitado,
Rosna com gengivas de uivo.
Dizem-me que foi lobo,
Mas perdeu a alcateia
Como os homens perderam a Razão,
Que hoje serve de osso ao cão
Escapo ao cogumelo nuclear.
E por essa razão se foi deitar.

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Vitorino Nemésio nasceu na Praia da Vitória, Terceira, a 19 de Dezembro de 1901 e morreu em Lisboa a 20 de Fevereiro de 1978. Interrompeu os estudos liceais, feitos nos Açores, para assentar praça como voluntário. Cabo de infantaria e empregado de escritório, em Lisboa, tornou-se profissional em 1921 como redactor de A Pátria. Revisor da Imprensa da Universidade, em Coimbra, em 1922 matriculou-se na Faculdade de Direito e depois na de Letras, acabando por se licenciar no ano de 1931 em Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa, onde se douturou em 1934 com o estudo «A Mocidade de Herculano até à Volta do Exílio». Ensinou nas Universidades de Mompilher e Bruxelas, antes de se tornar professor na Faculdade de Letras de Lisboa, da qual veio a ser director (1957-1959). Em Coimbra foi militante republicano académico e com Afonso Duarte lançou a revista Tríptico; percursor da Presença, colaborou nesta e fundou a Revista de Portugal, aberta a todas as tendências literárias de Portugal e Brasil na década de 30. Em 1966 recebeu o Prémio Nacional de Literatura. Da sua obra poética destacam-se livros como O Bicho Harmonioso (1938), O Cavalo Encantado (1963) ou Limite de Idade (1972).

CU

O nosso governo encontrou a solução para a burocracia portuguesa - o cartão único, o CU. Estou um pouco baralhada, será CU ou CÚ?
Maria João

Here comes the sun smiling
How long have you been blue?
A storm is not the weather
dEUS

17.11.05

Marilyn Dammann
Vision for a New Society
OPERATION MANKIND

Conhecimento e poder

Numa sociedade como a nossa, empenhada na disseminação do sucesso material, continua a fazer todo o sentido a proibição do conhecimento. Essa proibição não é uma ilusão, nem tão-pouco um delírio persecutório. As novas formas de proibição do conhecimento não se exercem pela privação descaradamente coerciva das fontes de conhecimento, mas exercem-se através da dissimulação desse mesmo conhecimento. Como se dissimula o conhecimento? Fazendo passar por conhecimento aquilo que na realidade não é, ou seja, criando a ilusão de que o slogan propagandístico e publicitário, o lugar-comum retórico, a frase feita de pacotilha é conhecimento, quando, na realidade, não passa de opinião ao serviço de interesses mais ou menos velados. É por isso que já não se proíbem livros, mesmo que eles se ocupem do lado mais perverso da natureza humana ou mesmo da natureza sebácea do poder. Já não existem livros espiritualmente perigosos, porque só uma elite pouco ameaçadora e cada vez mais comprometida com o poder se ocupa hoje das coisas do espírito. No entanto, o conhecimento permanece uma ameaça ao poder. Daí que os arquitectos do poder actual sejam muito mais subtis na manipulação das fontes de conhecimento, misturando-as frequentemente com aquilo a que chamamos fontes de informação. A informação que nos chega, por intermédio dessas fontes, é sempre uma informação seleccionada, manipulada, restrita. O que me leva a crer que por detrás de uma revelação, mesmo a mais aparentemente factual, há sempre um real arquivado. Pretender a verdade é, nos dias que correm, pretender uma ilusão que nos console. Nós, os que nos debruçamos sobre essas ilusões consoladoras, seremos sempre, com maior ou menor empenho, meros espectadores com tiques ilusionistas. No fundo, o exercício da cidadania não é mais do que outra forma de ler ficção.

AINDA NÃO

Ainda não
não há dinheiro para partir de vez
não há espaço de mais para ficar
ainda não se pode abrir uma veia
e morrer antes de alguém chegar

ainda não há uma flor na boca
para os poetas que estão aqui de passagem
e outra escarlate na alma
para os postos à margem

ainda não há nada no pulmão direito
ainda não se respira como devia ser
ainda não é por isso que choramos às vezes
e que outras somos heróis a valer

ainda não é a pátria que é uma maçada
nem estar deste lado que custa a cabeça
ainda não há uma escada e outra escada depois
para descer à frente de quem quer que desça

ainda não há camas só para pesadelos
ainda não se ama só no chão
ainda não há uma granada
ainda não há um coração

António José Forte
António José Forte nasceu em Póvoa de Santa Iria no dia 6 de Fevereiro de 1931. Ligado ao movimento surrealista, integrou o chamado grupo do Café Gelo. Foi funcionário da Fundação Calouste Gulbenkian, onde, durante mais de 20 anos desempenhou as funções de Encarregado das Bibliotecas Itinerantes. Representado em inúmeras antologias poéticas, António José Forte é também autor do livro de poesia infanto-juvenil Uma rosa na tromba de um elefante. Com colaboração na revista Pirâmide e em vários jornais (A Rabeca, Notícias de Chaves, O Templário, Diário de Lisboa, A Batalha, JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, publicou o seu primeiro livro, 40 Noites de Insónia de Fogo de Dentes Numa Girândola Implacável e Outros Poemas, em 1958. A sua poesia está reunida em Uma Faca nos Dentes (Parceria A. M. Pereira), com prefácio de Herberto Helder. António José Forte faleceu em Lisboa no dia 15 de Dezembro de 1988.

Do Silêncio


Stille = Silêncio, tranquilidade, serenidade.
Heinz Gappmayr, stille, 1970
in Alberto Pimenta, O Silêncio dos Poetas, A Regra do Jogo, p. 179, Lisboa, 1978.
Maria João

os cinco melhores romances de escritores portugueses, escritos em Português, nos últimos trinta anos

Para o Luís.
Carlos de Oliveira: Finisterra (1978)
António Victorino d’Almeida: Coca-Cola Killer (1981)
Virgílio Ferreira: Para Sempre (1983)
José Saramago: O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991)
Mário de Carvalho: Fantasia Para Dois Coronéis E Uma Piscina (2003)

16.11.05

Fragmento # 20 – O silêncio da escrita

O acto de escrever é um momento silencioso que Maurice Blanchot caracterizou em L´espace Littéraire ( Édition Gallimard, Paris, 1988) como recolhimento (Blanchot refere-se ao recolhimento como a solidão que é necessária para criar, tal como Rilke a definiu em vários textos). Esse recolhimento é solitário, mas em nada se assemelha à solidão do individualismo, nem à dor ao nível do mundo, ignorando qualquer procura de diferença. O recolhimento é um acto de alteridade, onde o escritor penetra na intimidade da escrita com o silêncio. Este acto só se torna poético através da abertura da intimidade de quem escreve para quem lê. O acto de escrever comporta um silêncio que os Mapas da imaginação e da memória de Ana Hatherly desvendam. Aqui a escrita é uma sombra que persegue o gesto da mão percorrendo o tempo. O gesto silencioso de escrever constrói labirintos de escrita, teias que formam mapas na superfície de papel. A escrita tece uma rede na memória, deixando rastos de um percurso entrelaçado, como um fio que constrói um mundo vislumbrado numa estranha superfície topográfica.
Um mapa é sempre imagem de um território, esquematização de um espaço que nos pode dizer de onde vimos, onde estamos, para onde vamos. Os mapas de Ana Hatherly não nos dizem, apenas sugerem: é possível seguirmos os rastros da sua escrita como se fosse o fio de Ariana. A escrita destes mapas é ilegível, o seu som foi obliterado através da forma da própria escrita, restando os traços do gesto que a mão da autora percorreu. Trata-se assim de uma catarse cartográfica.
Maurice Blanchot descreveu-nos um fenómeno apelidado de preensão perseguidora (L´Espace Littéraire, p-19), que sucede na acção de escrever. Neste acto, existe uma mão portadora de uma espécie de doença, que pega num lápis e não o quer largar para escrever infinitamente. A mão entra assim numa existência preciosa e o que tem depende da sua sombra. A mão escreve inserindo-se num outro tempo, num tempo infinito, tornando-se sombra no tempo. Existe porém outra mão, que interrompe a escrita, criando o ritmo, um cosmos nesse tempo não humano. O tempo no acto de escrever torna-se sombra do silêncio e a mão que pára a mão doente sabe como é importante o que forma nesse tempo, porque existe uma intimidade da escrita com o silêncio, com o que tem de autêntico, onde toma forma a própria escrita. Os Mapas da imaginação e da memória dão ênfase precisamente a este momento, ao acto de escrever. Este surge como traços dos gestos de um corpo ausente, sombras silenciosas que observamos em forma de mapas, memórias que não podemos ler, apenas seguir o seu curso ritmado. São rastros de um acto mágico.
A escrita no Oriente tem um carácter místico, sobretudo na China, onde os poetas são pintores e calígrafos. A escrita chinesa é ideográfica, a sua leitura exige uma correspondência de sinais visuais que se relacionam entre si. Assim, a escrita chinesa mantém um dualismo gráfico-verbal, permitindo um íntimo encontro entre a poesia e a pintura na própria estrutura. A escrita de consoantes perdeu essa dualidade, ao evoluir no linearismo do espaço, subordinando-se à linguagem verbal e tornando-se um instrumento de expressão racional. Ana Hatherly desconstrói o aspecto conceptual da nossa escrita, através da sua desemantização, pondo em evidência sobretudo o gesto de escrever, retomando o carácter mítico e simbólico que ele implica, como se fosse um calígrafo ocidental. As palavras tornam-se elementos expressivos num percurso ritmado através de gestos individuais. É a mão que pensa neste acto - pensa o incomunicável, o inefável, num gesto de pura magia.
Imagem: Ana Hatherly, Mapas da Imaginação e da Memória, 1973. Clique na imagem para a ver com melhor definição.

Maria João

OS LOUCOS

Há vários tipos de louco.

O hitleriano, que barafusta.
O solícito, que dirige o trânsito.
O maníaco fala-só.

O idiota que se baba,
explicado pelo psiquiatra gago.
O legatário de outros,
o que nos governa.

O depressivo que salva
o mundo. Aqueles que o destroem.

E há sempre um
(o mais intratável) que não desiste
e escreve versos.

Não gosto destes loucos.
(torturados pela escuridão, pela morte?)
Gosto desta velha senhora
que ri, manso, pela rua, de felicidade.

António Osório
António Osório, poeta e advogado, nasceu em Setúbal em 1933. Director do Foro das Letras, revista da Associação Portuguesa de Escritores-Juristas, colabora regularmente com crónicas no J.L.- Jornal de Letras, Artes e Ideias. Tem livros publicados no Brasil, em Espanha, em França e em Itália e está também traduzido em revistas para francês, inglês e catalão. Tendo-se estreado como poeta apenas na década de 70, embora já em 1954 colaborasse na revista Anteu, António Osório sai de algum modo da geração poética de que provém, sem contudo se integrar nas correntes literárias que por então se impunham. A Raiz Afectuosa, título do seu primeiro livro, determina em boa parte a tonalidade de uma voz que se assume como vocação primordial, íntima e natural para uma espécie de canto da criação e do mistério da vida e da morte, do animal e do humano.*

CC e Sá # 2

A série de entrevistas aos candidatos presidenciais na TVI foi má. É certo que dificilmente poderia ser outra coisa, mas neste caso não foi má apenas pelos entrevistados. Foi má principalmente pela desastrosa prestação da entrevistadora. Há quem goste daquele estilo truculento, nervoso, impaciente. Eu não. Como muito provavelmente não irei votar até dou de barato que o único candidato que chegou para Constança Cunha e Sá foi Mário Soares. Louçã e Jerónimo de Sousa eram constantemente interrompidos, Alegre limitou-se a ir na onda da entrevistadora (o que até não foi má estratégia, diga-se) e Cavaco, o pobre Cavaco, foi trucidado da pior maneira: Constança deixou-o falar. Deixar o Professor Cavaco falar é o pior que se lhe pode fazer. Alguma direita portuguesa, aquela que é visceralmente estúpida, não se queixou da entrevistadora até chegar o dia do K.O. ao líder. É bem feita, tiveram o que merecem. Agora tentam safar-se da mais torpe e abjecta maneira, fazendo insinuações que só denotam falta de higiene mental.

15.11.05

Da actualidade

Será que os sobreviventes do Katrina (era assim que se escrevia?) estão a desenrascar-se? Será que têm tido o apoio e a ajuda do estado? E como estarão as gentes de Darfur? Se calhar já morreram todos e ninguém deu por isso. Não pode ser. Se tivessem morrido todos por certo daríamos por isso. Do Iraque, já nem se fala! E isto é literal. O Iraque é o nosso quotidiano de ir passear o cachorro à rua. Como o cão (por lebre), alçamos a perna e lembramo-nos: há quanto tempo aconteceu aquela tragédia do, como é que se diz, aquilo lá na Indonésia, o tsunami ou o que é? As ajudas internacionais… se calhar a nossa contribuição apagou-nos a memória. Agora, os vivos que lavem as mãos dos mortos. Ah! E os terramotos? Índia, Paquistão, Irão, Turquia… E os atentados? Outro nosso quotidiano que já não pia. Nem mesmo a Casa, o caso da Casa. Já nada pia. Dizem que o tempo tudo cura. É como o Natal. Este ano não te esqueças de contribuir para o trabalho infantil. Assim como assim, ele há tanto puto a morrer de fome. Presidenciais para aqui, presidenciais para acolá… ninguém diz para que serve um pRESIDENTE da rEPÚBLICA. Ninguém explica, a malta não se entende. Os candidatos dizem que serve para alguma coisa. Por exemplo, o stôr Cavaco diz que serve para pressionar. Mas pressionar o quê? Os impressionáveis? Pois, pois… os impressionáveis. Voltamos ao mesmo. Não há para aí nenhuma tragédia ao dispor? Só para a gente se impressionar mais um bocadinho. É que isto assim não dá, é uma pasmaceira. A gente quer é mortos, violados, desgraçados, para termos o que falar. Para termos o que dizer. Paris, paris, paris, anda na ponta do nariz de muita gente com verniz. Paris não conta. Porque sobre Paris já toda a gente sabe tudo aquilo que nunca disse. Alguém quer propor uma teoria sobre qualquer coisa que ainda não tenha sucedido?

Claudio Mangifesta
Argentina
in

Ricas meninas

Ao cuidado de Afonso Bivar

exibicionismo

essa vontade
que eu tinha
de nas águas
te perder…
para depois
te pescar
à linha,
com muita
gente a ver.


Luís Pignatelli
Luís Pignatelli (pseudónimo literário de Luís Oliveira de Andrade) nasceu em Espinho a 1 de Janeiro de 1935 e morreu em Lisboa a 20 de Dezembro de 1993. Em Espinho fez a instrução primária e frequentou o liceu. Nas lides da escrita, estreia-se em Maio de 1953 na revista Bandarra, com o poema Aguarela (assinado por Luís de Andrade e não ainda Pignatelli). Nesta revista, publicada no Porto, em 3 séries, entre 1953 e 1964, continuará a colaborar até à sua ida e fixação de residência em Coimbra, nos meados da década de 50, onde, de passagem, na revista Vértice, assina alguns poemas. Deste tempo de Coimbra data a amizade com José Afonso, através do qual alarga o seu leque de amizades a Herberto Hélder, Adriano Correia de Oliveira, António Quadros, Manuel Alegre, entre outros. Em 1963 passa alguns meses em Moçambique, onde trabalha como jornalista, na Tribuna de Lourenço Marques. De regresso a Portugal, volta para Coimbra, mudando-se definitivamente para Lisboa no verão de 1965. Aí frequenta tertúlias, colabora nos suplementos literários de vários jornais (por vezes sob o pseudónimo de Athayde de Andrade), traduz, aparece representado em algumas antologias (por exemplo, na Antologia da Poesia Concreta em Portugal, de E. M. Melo e Castro e José-Alberto Marques) Em 1973, no Círculo de Poesia, da Moraes Editores, publica o seu único livro, Galáxias.

Ut pictura poesis # 56 - Maternidade

Imagem respigada aqui:

Paula Mordersohn-Becker, Mãe enfermeira, 1907
Têmpera s/tela Nationalgalerie, BerliM, Alemanha
Maria João

14.11.05

SALMO

A vida
é o bago de uva
macerado
nos lagares do mundo
e aqui se diz
para proveito dos que vivem
que a dor
é vã
e o vinho
breve.

Carlos de Oliveira

Carlos de Oliveira (1921-1981) nasceu em Belém do Pará, Brasil, e faleceu em Lisboa. Licenciou-se na Universidade de Coimbra em Ciências Histórico-Filosóficas. É um dos grandes poetas deste século, combinando a preocupação de intervenção social (neo-realismo) com a reflexão sobre a escrita no próprio processo da sua produção, o que cnfere à sua obra grande densidade e agudeza nos efeitos diversificados da sua leitura (Mãe Pobre, 1945, Entre Duas Memórias, 1971). Distinguiu-se como colaborador das revistas Altitude, Seara Nova e Vértice, tendo sido director desta última. Atingiu reconhecimento público na área da poesia e da ficção, tendo-se estreado com Turismo (1942), uma colectânea de poemas, e com o romance Casa na Duna (1943). **

A palavra integração

Agora é moda dizer-se que a palavra integração é feia. Mas há outra? A mim arrepia-me bem mais a palavra exclusão. Isto porque parto sempre do princípio pragmático de que não é com preciosismos de linguagem que se resolvem os problemas das pessoas, ainda que a linguagem seja muitas vezes a acendalha que faltava ao rastilho dos problemas. Escumalha, por exemplo, é uma palavra feia que pode tornar-se, ela mesma, num problema. Embora não seja, por si só, o problema. É que há escumalhas e escumalhas. Por exemplo, há a escumalha que quando pronuncia a palavra escumalha, babando-se pelos cantos da boca, apenas revela aquilo que é: escumalha, pois claro. Por isso mesmo, até que me arranjem outra, eu continuarei a dizer integração. Sendo que por integração eu não entendo uma forma de escumalhar. Entendo antes uma forma de acolher.

Moral das estórias # 2:

Quem tem profissões úteis, não tem blogs. Assim como quem se sente satisfeito com o que tem.

Ut pictura poesis # 55 – Soslaio


Imagem respigada aqui:

Giorgioni, Retrato de um cavalheiro veneziano, 1510
óleo s/tela, 76.2 x 63.5 cm
National Gallery of Art, Washington, EUA
Maria João

13.11.05

Alfredo Mejia
México

Três filmes em atraso

1.

Relatório Kinsey, com Liam Neeson protagonizando, qual peixe em luminosas águas, o papel do cientista Alfred Kinsey - zoólogo norte-americano, nascido em 1894, que viria a escandalizar a América do pós-guerra com as suas investigações sobre o comportamento sexual dos seres humanos. Neste campo, duas obras são ainda hoje motivo de debate e controvérsia: Sexual Behavior in the Human Male (1948) e Sexual Behavior in the Human Female (1953). Matriz (ou não) das “revoluções sexuais” da década de 1960, as investigações de Kinsey limitaram-se a levantar o véu (o que já não foi pouco) sobre o domínio da vida humana mais dissimulado e reprimido de sempre. O filme, de cariz biográfico, pretende retratar os anos de investigação nessa área, as motivações do próprio Kinsey, os seus processos, o seu drama íntimo. Por pretender jogar em tantas frentes, acaba por parecer superficial em todas elas: só a relação com o pai daria para fazer um filme, assim como as excentricidades do seu núcleo familiar ou a luta de um cientista contra os obstáculos do progresso científico. Esta dispersão resulta num algo pedante elogio do amor (sobre o qual não há ciência possível) e na exaltação do cientista revolucionário cuja obra constituiu um novo paradigma com benefícios improváveis para a história da humanidade.
P.S.: imagem respigada aqui.

2.

Vera Drake, do mais convincente realizador britânico contemporâneo. É, digo eu, o melhor filme de Leigh depois de Secrets & Lies (1996). As personagens de Mike Leigh são humaníssimas, são-nos tão familiares quanto os nossos vizinhos podem ser. Vera Drake conta a história comovente de uma mãe de família que acaba condenada a dois anos de prisão por ajudar, a troco de nada, mulheres a abortarem ilegalmente. Pode falar-se, redutoramente, de panfleto pró-aborto ou qualquer coisa do género. As assimetrias sociais estão presentes: quem pode pagar alto, faz tudo em condições e como manda a lei. Basta haver umas 150 libras no bolso que convençam um psiquiatra de danos psicológicos irremediáveis para a grávida que não deseja ser mãe ter todos os cuidados que merece. Quem não pode pagar alto, socorre-se do que tem à mão. É aqui que entra Vera Drake, uma mulher de família absolutamente irrepreensível cujo pecado é ser solidária. O drama de Vera Drake, primorosamente montado, mostra com eficácia todas as trágicas dimensões do problema do aborto. Não é panfletário, porque o realizador se limita a contar uma história cujos contornos morais caberá a cada um circunscrever. Mas é, sem dúvida alguma, um filme que assenta numa visão trágica do mundo: nem sempre a justiça é justa.
P.S.: imagem respigada aqui.

3.

Por fim, Million Dollar Baby (Sonhos Vencidos). Mais um clássico do futuro de Clint Eastwood, desta feita no papel de um treinador de boxe em final de carreira que se vê em pleno ringue a travar um dos mais inglórios combates da sua vida. Os quatro Óscares que arrebatou são inteiramente merecidos: melhor filme, melhor realizador, melhor actriz (Hillary Swank) e melhor actor secundário (Morgan Freeman). É mais um filme sobre uma dessas questões sociais que é costume dizerem-se fracturantes. Maggie Fitzgerald (Swank) fica paraplégica após uma queda no ringue durante um combate, após o que solicita ao seu treinador (Eastwood) que a ajude a morrer. Uns dirão que a lutadora Maggie desistiu de lutar, outros que já tinha lutado o suficiente, outros que isto e que aquilo. O problema da eutanásia é sempre dois problemas: é o problema de quem quer partir e o problema dos que ficam após a partida. Clint Eastwood, que, para o bem e para o mal, nunca foi dado a falsos pudores, opta pelo tom mais sensato: o de um blues à vida. Só os insensíveis poderão julgar imoral o tormento dos que, achando-se cumpridos na vida, desejam a morte. Assim como só os insensíveis poderão condenar a moral de que há um preço a pagar, mais oneroso que qualquer outro, por se ajudar a morrer alguém que se ama: é o preço de ficar vivo.
P.S.: imagem respigada aqui.

12.11.05

CORAÇÃO NEGRO

Coração negro.
Enigma ou sangue de outras vidas passadas,
suprema interrogação que me fala diante dos olhos,
signo que não compreendo à luz da lua.
Sangue negro, coração dolorido que de longe envias
incertos latidos, quentes baforadas,
pesado vapor de estio, rio no qual não me afundo,
que passa como o silêncio sem luz, sem perfume nem amor.
Triste história de um corpo que existe como existe um planeta,
como existe a lua, a lua abandonada,
osso que todavia tem a claridade da carne.
Aqui, aqui na terra lançado entre uns juncos,
entre o verde presente, entre o sempre fresco,
vejo essa pena ou sombra, essa linfa ou espectro,
essa suspeita solidão de sangue que não passa.
Coração negro, origem da dor ou a lua,
coração que outrora pulsaste entre umas mãos!
Beijo que navegaste por uma veias rubras,
corpo que te cingiste a um taipal vibrante!


Versão possível de HMBF.

Vicente Aleixandre y Merlo
Vicente Aleixandre y Merlo nasceu em Sevilha no dia 26 de Abril de 1898 e faleceu em Madrid no dia 14 de Dezembro de 1984. Poeta espanhol da chamada geração de 27, foi membro da Real Academia Espanhola desde 1949. Prémio Nacional de Literatura em 1934 e Prémio Nobel da Literatura em 1977, Vicente Aleixandre y Merlo licenciou-se em Direito em 1919. De saúde frágil, publicou os seus primeiros poemas na Revista de Occidente em 1926. Dois anos depois, daria à estampa o seu primeiro livro: Âmbito. Estabeleceu contacto com Cernuda, Alberti e Garcia Lorca. Inspirado nos percursores do surrealismo, adoptou o poema em prosa e o verso livre aproximando-se muitas vezes da escrita automática. Após a Guerra Civil, apesar das suas posições políticas de esquerda, permaneceu em Espanha, tornando-se num dos grandes mestres espanhóis da poesia dita social.

Ut pictura poesis # 54 – Sala de aula

Imagem respigada aqui:

Anna Aucher, Aula de costura em Skagen, 1900
Óleo s/tela, 47.5x 62.5cm
New Carlsberg Glyptotek, Copenhaga, Dinamarca

Sobre a pintora:
Maria João

11.11.05

Per qualche dollaro in più


Nem só o silêncio é o covil de Cavaco. A táctica dos cavaquistas é outra. Enquanto o líder, qual abutre, observa do alto o penoso processo de decomposição dos seus opositores, os séquitos do mestre vão-se entretendo acusando-os de insultos desnecessários. Putas finas, diria a minha vizinha do lado. O escudo fundamental de Cavaco não é o silêncio, é a tadinhice que os portugueses tanto apreciam. De hoje em diante ficaremos a saber que pedir contas a um antigo primeiro-ministro é falta de educação, forçá-lo ao debate é insultuoso, querer ouvir-lhe uma ideia que seja sobre o que quer que seja é sacrilégio. Cavaco, que outrora acusou os jornalistas de apenas mentirem a seu respeito, vai tendo assim na classe um aliado de peso. Ninguém lhe pergunta nada de jeito, porque ninguém lhe quer ouvir nada de jeito. As perguntas que lhe são feitas pressupõem sempre ofensas que não existiram, mas que se querem fazer existir. Logo, as respostas que se lhe ouvem são apenas acerca de assuntos que não existem. Pseudo-assuntos que fazem esquecer o que realmente importa. Temas que importam? Por exemplo, essa apregoada «fuga à convivência partidária» - táctica reconhecida a Cavaco e a Alegre (curiosamente, ou talvez não, ultimamente muito elogiado pelos apoiantes do político que antes de o ser já não o era). Por que será tão conveniente esta descolagem dos partidos nas presidenciais? Por que não quer Cavaco ser político? Por que não quer Alegre deixar de o não ser, afirmando-se alternativa? Alternativa a quê? Os três principais candidatos são maus, muito maus. Têm todos demasiados telhados de vidro. Cavaco fartou-se de dizer bem de Soares, não tem agora o que criticar. Daí o silêncio. Soares disse que apoiava Alegre. As razões por si apresentadas para o não ter feito não convencem ninguém. Alegre, ao que parece, disse que só quis mesmo avançar quando soube que o PS não o apoiava. A isto chama-se ego, não se chama pátria. Houve um tempo em que a política era de outra estirpe, um tempo em que se faziam contas à morte para ver se valia a pena viver. Agora, fazem-se apenas contas à vida. Se Jerónimo dançar bem, ainda me leva às urnas.

2 tipos de escritores

Há essencialmente dois tipos de escritores: os que escrevem livros para se promoverem a si próprios e os que se escrevem a si próprios para promoverem os seus livros. A partir daqui, podemos imaginar todas (e mais algumas) as variações possíveis.

O VALOR DO VENTO

Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento
O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e
só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
o vento do inverno o vento do verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira-mar em agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto

Ruy Belo
Ruy Belo nasceu em S. João da Ribeira, pequena aldeia do concelho de Rio Maior, em 1933. Foi aluno do liceu de Santarém e cursou Direito, primeiro na Universidade de Coimbra, depois na Universidade de Lisboa, onde se diplomou em 1956. De partida para Roma, doutorou-se em Direito Canónico na Universidade de S. Tomás de Aquino. Em Lisboa, viria a frequentar também a Faculdade de Letras, terminando em 1967 a licenciatura em Filologia Românica. Além de actividade no domínio editorial, Ruy Belo foi também professor. Leitor na Universidade de Madrid desde 1971, regressou ao país em 1977, vindo a falecer de modo súbito no ano seguinte. Nome de destaque na poesia portuguesa contemporânea, exerceu igualmente intensa actividade de ensaísta e crítico literário. Da sua obra poética fazem parte Aquele Grande Rio Eufrates (1961), Boca Bilingue (1966), Despeço-me da Terra da Alegria (1977). A Obra Poética de Ruy Belo encontra-se reunida em dois volumes publicados pela Editorial Presença, com organização e comentários de Joaquim Manuel Magalhães. Os livros do poeta estão a ser reeditados pela mesma editora. Um volume único com toda a obra poética, significativamente intitulado Todos os Poemas, foi ainda recentemente dado à estampa pelo Círculo de Leitores (2000) e pela Assírio & Alvim (2001).

Ut Pictura Poesis # 53 - Apetitoso

Imagem respigada aqui:

Josefa de Óbidos, Natureza morta com doces e barros, 1676
Biblioteca Municipal Braamcamp Freire, Santarém, Portugal
Maria João