Stephen Gaghan, argumentista de um surpreendente Traffic (2000), atirou-se agora às câmaras com um não menos politicamente incorrecto Syriana (2005). Merecedor de dois prémios da academia de hollywood, entre os quais um merecidíssimo para George Clooney, Syriana peca apenas por um argumento excessivamente complexo. O centro das atenções é um agente da CIA, interpretado por George Clooney, apanhado numa dedálea teia de interesses em torno da indústria petrolífera. Para o espectador menos esclarecido em matéria de política internacional, como é o meu caso, é bem provável que grande parte do alcance do argumento passe ao lado. Não obstante, a história cativa e o filme vê-se com constante interesse. À mistura, a corrupção que surde da promiscuidade entre os homens do petróleo e os homens da política. Em suma, a ideia com que ficamos é precisamente esta: há apenas uma política, a do petróleo. As múltiplas histórias que se vão desenrolando ao longo do filme adensam essa complexidade, mostrando-nos um Médio Oriente manietado pelos interesses ocidentais e por uns tantos que, a Oriente, têm algo a ganhar com os interesses dos seus propagados inimigos.
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Apesar de Spider (2002) estar entre os meus filmes preferidos, nunca fui grande apreciador do cinema de David Cronenberg (n. 1943). Talvez isso se explique por Spider ser, segundo dizem os especialistas, o menos cronenbergiano dos seus filmes. A History of Violence (2005), o mais recente tomo de uma obra que começou há quarenta anos com uma curta intitulada Transfer, contribui, de certa maneira, para eu começar a ultrapassar esta minha embirração. Sem abdicar de alguns elementos absurdos e hilariantes, Cronenberg filma esta história com rara sobriedade. Trata-se da história de um homem aparentemente vulgar que, por mero acaso, transforma-se no herói da sua pequena cidade. Por arrasto dessa contingência, começa a vir à tona todo o seu passado omisso e tenebroso. A pouco e pouco vamo-nos apercebendo que a mais violenta de todas as histórias é o passado que cada indivíduo carrega dentro de si. Libertarmo-nos dele, a mais difícil e inglória das tarefas. A lembrar alguns westerns de excepção, sobretudo nas cenas de tiroteio e no drama da personagem central, interpretada por um Viggo Mortensen admirável, A History of Violence está perto de ser excelente. Só não o é por uma razão: não foi Eastwood quem o realizou.
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Galardoado com o Óscar para melhor documentário, entre pelo menos mais uma dúzia de prémios, A Marcha dos Pinguins (2005), do francês Luc Jacquet, é uma espécie de documentário que, apesar do sentimentalismo bacoco, fascina em absoluto. Imagino a experiência visual que será vê-lo numa boa sala de cinema, pobre de mim que apenas pude vê-lo agora em DVD. Com uma fotografia lindíssima, planos de uma beleza inquestionável, A Marcha dos Pinguins é um documentário ficcionado que aproveita com perícia a magia e o poético do mundo natural. O argumento, bem delineado, propõe-nos uma história de amor acerca da reprodução dos pinguins Imperador. Sob condições meteorológicas inóspitas, o amor acontece num desses misteriosos rituais já só possíveis onde a natureza não foi tocada pela humana conspurcação. Um trabalho árduo, a merecer todos os prémios do mundo. Mais que não seja, por nos fazer acreditar, como tão raras vezes a arte contemporânea faz, que o amor ainda é possível... sob umas boas dezenas de graus negativos.
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Flightplan (2005), que em português levou o título Pânico a Bordo, iniciou a aventura hollywoodesca do germânico Robert Schwentke (n. 1968). Vi-o recentemente, na versão DVD, por uma razão que se chama Jodie Foster. Sou fã de Jodie Foster, provavelmente, desde Taxi Driver (1976), um dos meus filmes preferidos e um dos melhores do mestre Martin Scorsese. Como filme, Flightplan arrebatou-me apenas longos e estóicos bocejos de tédio. Thriller psicológico, para usar um chavão comum, onde as tensões são constantemente obnubiladas pelo óbvio, tem como único foco de interesse a performance de Jodie Foster. Encarnando uma mãe a braços com o desaparecimento da filha em pleno voo, a actriz americana tem aqui um daqueles papéis feitos à sua medida. Notamos-lhe a fragilidade da Sarah Tobias, em Os Acusados (1988), assim como a energia da excelente Clarice Starling, em O Silêncio dos Inocentes (1991). Durante as buscas no avião, o pânico e o desespero, misturados com uma espécie de paranóia obsessiva, adquirem no rosto de Jodie Foster expressões deveras convincentes. Só isso, mais nada, merece ser visto num filme que, infelizmente, não se contém no ridículo.