Antes de mais, um esclarecimento: não me movem tricas pessoais. Não sei o que possam imaginar a esse respeito, mas eu vivo cá nas minhas caldas, não vou a colóquios, conferências, debates, lançamentos de livros, e estou-me nas tintas para aquilo a que chamam meio literário português. É certo que tenho as minhas simpatias, sobretudo enquanto leitor, mas não julgo serem importantes para o caso. Também é certo que já declinei convites, alguns até bem atraentes, que poderiam aproximar-me daquele que não é o meu lugar: o tão badalado meio. Tenho um weblog onde procuro divulgar e partilhar parte do que me toca, mas não me escuso a dizer o que penso. Mesmo quando o que penso possa ser desagradável, fastidioso, desinteressante. Cada um fará o julgamento que tiver a fazer.
Vem isto a propósito da
Promessa Não Cumprida de João Pedro George. A primeira vez que ouvi o nome do autor de
Não é fácil dizer bem foi num artigo, publicado na finada revista
Periférica, intitulado
A coutada literária do Expresso. Sublinhei-o em várias partes, concluindo: ora aqui está um gajo que os tem no sítio certo. Entretanto João Pedro George assentou praça na
blogolândia, fazendo-se notar pelo espírito inquisitório e pelo tom polemista, decalque óbvio, por isso medíocre, de mestre Luiz Pacheco. Os alvos preferenciais de João Pedro George são os críticos literários, coisa que o próprio se julga, e alguns escritores mais populares, fáceis, tremendamente fáceis de abater. O estilo é o do “crítico-prontuário”, acusando nos outros o facilitismo que o próprio pratica. É um estilo essencialmente sensacionalista, que atrai pela audácia mas nada acrescenta. De certa forma, acaba mesmo por ser decepcionante. Admiro-lhe o espírito desbocado, antipático, acutilante, porque o país precisa de gente assim. Mas não julgo que a sua posição só lhe dificulte a vida, granjeando com ela um certo estatuto de independência, alguma admiração, o espanto mesquinho de um país que não está habituado a uma retórica mais corrosiva. Porém, julgo haver embuste nos intentos do nosso homem. Mais, noto-lhe quase sempre uma insuportável demagogia.
Ainda há não muito tempo, quando o vi no programa
Livro Aberto, de
Francisco José Viegas, a comentar listas de livros que confessou não ter lido, pensei: mas se não leu os livros, por que aceitou ir ao programa? Foi lá fazer o quê? Depois comecei a pensar em alguns
posts que lhe tinha lido no
Esplanar, procurando encontrar as motivações do guerreiro. É certo que a forma como João Pedro George expõe os problemas não é comum no nosso país. Mas não haverá pretensões menos impolutas na forma como o faz? Não percebo, por exemplo, como pode alguém reconhecer a um crítico, seu colega de actividade, a autoria de
«críticas exemplares, pequenas maravilhas da sensibilidade humana» (
17 de Outubro de 2005), para, passado pouco tempo, vir a terreno acusar esse mesmo crítico de
«preguiçoso sem recursos críticos». (
27 de Janeiro de 2006) Não haverá qualquer coisa de estranho nisto? Talvez não. O João Pedro George que o faz não é propriamente exemplo de coerência. É o mesmo que, saudando a chegada de Constança Cunha e Sá à
blogolândia, o faz agradecendo-lhe pelos «
bons tempos» (
6 de Janeiro de 2006) que passou quando trabalhava no
Independente. Serão esses
«bons tempos» os mesmos que em
29 de Outubro de 2004 João Pedro George lembrava assim:
«onde me pagavam, quando calhava e depois de muitos telefonemas, chatices várias, mal e porcamente»? Terá sido nesses “bons tempos” do
Independente, que o nosso George abandonou por causa de um crítica a um livro de uma amiga da directora (e fez muito bem), que o crítico impoluto aceitou jantar com um
autor da editora XPTO (que frontalidade!!!!!), acabadinho de publicar um livro. Como o próprio revelou no seu
weblog, foi um repasto do melhor, com gente do meio à mistura e coisa e tal. Depois, terá regressado a casa e começou a escrever sobre o livro. Apesar do revoluteio no estômago, fê-lo. E fê-lo assim:
«Quando me sentei a escrever o texto sobre o livro do qualquer coisa Rosas, a cara minhoca do escriba estava sempre a aparecer-me no computador. Era um fantasma, um espectro. Estava na engrenagem, comprimido nos dentes da engrenagem, estava a pôr em andamento a engrenagem. Mesmo com as fraldas borradas de raiva, escrevi. Nem sim nem sopas. Foi assim assim. Acabei por dizer nem mal nem bem. Mas acabou-se aí. Fechei a loja. Das vezes seguintes, mandei dizer que não podia.» Pronto, está confessado o pecado. Não há impoluto que não peque. Bons cristãos são os que se confessam e reconhecem seus pecadilhos. Mas… e a moral, a tal moral acima de tudo e de todos? A moral é Pachecal e, pela boca de João Pedro George, conclui-se desta maneira:
«Porque, meus caros, o que interessa é o dinheirinho, já dizia o Salazar.» O dinheirinho? Sim, claro, o dinheirinho. Todos nós andamos a amanhar-nos como bem podemos. É ou não é? É. Então o que faz de
uns mais éticos que
outros? A frontalidade, pois então, com que se
confessam os seus pecados e
denunciam os dos outros. Se isto não é um Judas arrependido a falar, então o que é?
A pergunta que faço é esta: João Pedro George bate na coutada do Expresso (faz bem, tem a sua razão); João Pedro George bate em Eduardo Prado Coelho (faz bem, tem a sua razão); João Pedro George bate na malta do DN (faz bem, tem a sua razão); por que não bate João Pedro George nos restantes? Quem serão, em sua opinião, os bons críticos? Talvez João Pedro George se julgue o crítico que faz falta a este país. Isto não tem nada que ver com escrever sobre os amigos ou com ética e deontologia, isto só tem que ver com escrever sobre si próprio. É um homem, tal como os outros, a lutar pelo seu lugar ao Sol. Nada tenho contra os críticos que escrevam sobre livros dos amigos, como já disse e repito, desde que o façam com critério. O problema, também já o disse, pode colocar-se de outra forma: deverá um crítico escrever sobre os seus inimigos? Mais me choca que quem não tenha amigos nem inimigos se veja privado de ser criticado, condenado ao ostracismo e ignorado por parte destes senhores que passam a vida a citar-se uns aos outros, fazendo disso só mais uma forma de se citarem a si próprios. João Pedro George incluído.
Por que apontar o dedo a
uns e não a
outros? Talvez porque haja aqueles que são mais simpáticos que os outros. Que simpatias serão essas? Editar um livrito, por exemplo. Só de uma coisa posso estar certo: a lei de George (
um livro que não seja reconhecido, comentado, acolhido pela crítica é esquecido, não existe) não cabe cá em casa (onde as estantes estão repletas de livros que não são reconhecidos, comentados, acolhidos pela crítica), sobretudo quando proferida por um crítico egocêntrico (avaliação meramente subjectiva e “psicologizante”) que não perde oportunidade para se pôr em bicos de pés. Um bom crítico é como um bom árbitro: nem se dá por ele durante o jogo. Ver como, ao estilo de um Herman José de terceira categoria, se põe a falar de si mesmo no posfácio ao
Diário Remendado, de Luiz Pacheco:
«O meu estilo é rebuscado, falta-me vocabulário, tenho uma tendência irreprimível para a efabulação, o exagero.» Pelo menos é sincero. Ou quase.
P.S.: Nuno Galopim, editor do suplemento 6.ª, publicou uma biografia musical de Sérgio Godinho. Deveria o suplemento onde Nuno Galopim trabalha ignorar o seu livro? Não. O próprio Nuno Galopim encarrega-se de recensear, na mesma edição do referido suplemento, dois livros dedicados a António Variações. A crítica que faz desses livros é negativa. Poderá isto ser considerado auto-promoção, falta de profissionalismo, nepotismo? Não. Mau seria que os ignorasse. Terá dito o que pensou. Fez muito bem. E nem me venham falar de interesses. Quem os não tem?