31.5.06

TODOS OS ANIMAIS SÃO POLÍTICOS*

A linguagem é o resultado de uma luta de poder dos homens e das mulheres e das coisas e reflecte a estrutura do mundo desejada pelos mais fortes. Por isso a linguagem é predominantemente masculina e racista. A melhor maneira de começar a ultrapassar os dualismos criticáveis é perceber que a linguagem não é inocente e que a linguagem nos cria. A linguagem não é uma coisa mais ao lado da cultura e ao nosso lado. Somos criados por ela. A linguagem tem um poder infernal por ser simultaneamente abstracta e concreta. Abstracta, porque (é uma segregação de um “discurso” dominante que) nos molda a estrutura do pensamento sem darmos (quase) conta, reproduzindo-se como uma espécie de código genético nas formações culturais; concreta, porque se modifica em consonância com os jogos de poder em movimento (poder no sentido que lhe dá Foucault). Modificar e aumentar a linguagem passa, assim, por influenciar o sentido do poder no presente, ou seja, por “resistir” (no sentido activo que, mais uma vez, Foucault utiliza). Serei melhor escritor quando for mais livre e ao mesmo tempo mais comprometido (com aquilo que eu quero que o mundo seja). Todos os animais - incluindo o escritor - são políticos.


*a propósito e na sequência de posts e comentários abaixo.


Rui Costa

INSÓNIA

Dava o meu quarto para a au8to-estrada,
ao tráfico constante, dia e noite,
não podia dormir. Estive quase
doente muito a sério. Um amigo
disse-me que pensasse que era o mar.
Cheguei a acreditar que o ruído
era só o murmúrio das ondas
a acarinhar areias impossíveis.
Não era nada fácil. Muitas vezes
estive a ponto de render-me pois
imagens do asfalto e dos motores
sem dó e sem descanso me assaltavam.
Devo reconhecer que me ajudaram
os acidentes, que se multiplicam
sempre que a luz do sol desaparece
durante muitas horas. Era então
que eu escutava cantos de sereias
que, como os marinheiros, me embalavam.


Tradução de Joaquim Manuel Magalhães.

Amalia Bautista

Amalia Bautista nasceu em Madrid, em 1962. Licenciada em Ciências da Comunicação, trabalha como redactora no gabinete de imprensa do Conselho Superior de Investigações Científicas. Publicou o primeiro livro, Cárcel de amor, em 1988. Seguiram-se La mujer de Lot y otros poemas (1995), Cuéntamelo outra vez (1999) e Hilos de seda (2003). Poemas seus encontram-se em várias antologias de língua castelhana e portuguesa, entre as quais destacamos Trípticos Espanhóis - 3.º, de Joaquim Manuel Magalhães, publicada pela editora Relógio D’Água.

Deixaram nest post um longo comentário sobre a Opus Dei que vale a pena ler.

Orações de Ponette

1
Deram-me as medidas para uma cadeira de rio.
A maneira de pensar é a mesma: ir ao fundo,
a um lado e a outro, habituar.

2
Não esperava ver nada na rua
nem dentro dos casacos
anedotas nos rótulos
água gasosa na grossa pulseira
sinais rosa-dão epidemia boom
punhos pato lucas e porky pig
anel de cabrinha bolso do peito para fora
tudo rápido depois daquele ritz.

3
Quatro minutos íngremes
o cavalo flutuante romba
pelas esquadradas metades
superiores da minha cruz
ameaça-as com o temível uivo
do pássaro de papel
e com uma mão cheia
de setas amplinas
mata a serpente que aí se alinda.

Nuno Moura

Para reflectir com ponderação:

dama said...

«Lamento fazer esta objecção de forma leviana, isto é, sem ter tempo de apresentar grandes argumentos. No entanto, embora, como bem atesta o exemplo de uma George Elliott, nem toda a escrita por mulheres seja feminina (ou mesmo feminista, se quisermos), existe poesia (e literatura) de género a partir do momento em que a/o poeta decide escrever explorando esse conceito. É assim que também existe uma literatura gay. Por outro lado, há estudos de psicologia e linguística neuronal que parecem apontar para a faculdade da linguagem ter actualizações diferentes em mulheres e homens. Assim sendo, faz sentido o argumento, apresentado nomeadamente por Adrienne Rich em "When we Dead Awaken: Writing as Re-vision" (1971) em que se defende que as mulheres precisam de encontrar formas de encontrar voz própria e contornar (sem os rejeitar) os discursos e convenções literários quasi-exclusivamente determinados pelos homens ao longo de milénios. Virginia Woolf também pode ser chamada a esta discussão que, reconheço, não é nada linear. Já agora, tendo lidos atentamente os poemas de mulheres que aqui publicaste, houve uma coisa em que reparei: mesmo nas mulheres contemporâneas (que foram a maioria aqui exposta) há um recurso à prosódia e a efeitos de sonoridade muito mais acentuado do que nos seus congéneres masculinos (especialmente os da poesia dita do real; aliás, A. Lopes, que até pode ser alinhada nesta poesia, é também um exemplo do comprazimento na cadeia sonora). E fica a pergunta: será isso porque as mulheres escritoras têm necessidade de se afirmar como exímias esgrimistas naquilo que durante muito tempo foi instaurado (pelos homens) como a definição do poético, ou antes por uma forte identificação com um tipo de literatura oral (lenga-lengas, trava-línguas, canções mais ou menos nonsense) que vem da infância e que, de modo geral, são as mulheres que reproduzem aos filhos, assim mantendo o contacto com esse repositório? Por último, a julgar pelas amostras, não me parece nada que o tema da maternidade seja um feudo do feminino. Antes pelo contrário. Basta ver a antologia das 101 noites sobre a "Mãe" (ou lembrar o educador João de Deus) para ver que os homens muito têm discorrido, ou tres-corrido sobre o tema. Posso ainda lembrar o recente livro francês, supostamente organizado por uma suposta libertária de esquerda, Patricia Latour, com o título "101 Poèmes sur les femmes", em que cerca de 80% das composições são de autoria masculina.»

30.5.06

A "Esperança" é a coisa com penas -
Que na alma se empoleira -
E canta uma cantiga sem palavras -
E nunca pára - a vida inteira –

E mais doce - na Tormenta - a ouvimos -
E precisava o vento ser sandeu -
Para afligir a Avezinha
Que a tantos aqueceu –

Ouvi-a na mais fria terra -
E no mais estranho mar -
Mas nem no Cabo mais Extreme
Me veio uma côdea esmolar –

Versão de dama.

emily dickinson

Emily Dickinson nasceu no Massachusetts, em 1830. Começou a escrever poesia pelos seus vinte anos, coligindo os poemas em fascículos e pequenos volumes. Levando uma vida emocional bastante misteriosa, passou grande parte do seu tempo isolada nos seus aposentos. Foi uma prolífera redactora de cartas, as quais fazia acompanhar, por vezes, de versos de sua autoria. A primeira organização do seu trabalho poético deve-se a uma sua irmã, tendo saído em livro, postumamente, em 1890. Emily faleceu no ano de 1886, deixando escritos mais de 800 poemas.

[…]

Eu tenho um segredo
mas não é para ti

nem para mim.
É um segredo que nem o segredo conhece

e que é negro e sem fundo
como o segredo.


Rui Costa

29.5.06

As minhas acções são a minha única pertença. Não posso fugir às consequências das minhas acções. As minhas acções são o chão que piso.
(mp, lembrando Budha)

CRECER

Crescer é mais ou menos isto: o grito de um índio dando lugar ao olhar concentrado e criminoso de uma certa noção de justiça.

Tira a mão do queixo

Clara Ferreira Alves
Clara Ferreira Alves, qu' é membro do júri do Prémio Pessoa, acha que Carrilho é vaidoso, mas Clara Ferreira Alves acha necessário dizer que é júri do Prémio Pessoa para denunciar o erro de uma jornalista do Público ao ter afirmado que Luandino Vieira recusou o Prémio Pessoa e não, como foi o caso, o Prémio Camões;

Clara Ferreira Alves, qu' é membro do júri do Prémio Pessoa, acha que os jornalistas são muito “auto-celebratórios” e praticam auto-flagelação com alguma regularidade, no entanto Clara Ferreira Alves, qu' é membro do júri do Prémio Pessoa, disse-se vítima de "inimigos dentro do meio jornalístico”;

Clara Ferreira Alves, qu' é membro do júri do Prémio Pessoa, acha que Carrilho tem seguranças de estatuto, isto sem se coibir, Clara Ferreira Alves, membro do júri do Prémio Pessoa, de chamar a Carrilho «pé de página» em pleno programa de televisão;

Clara Ferreira Alves, qu' é membro do júri do Prémio Pessoa, acha que Rangel deu um péssimo exemplo de mau jornalismo ao dizer uma coisa e depois desmenti-la, mas Clara Ferreira Alves, jornalista e membro do júri do Prémio Pessoa, já fez do mesmo no programa Eixo do Mal;

Clara Ferreira Alves, qu' é jornalista e é membro do júri do Prémio Pessoa, acha que a matilha jornalística não são os jornalistas obscuros mas alguns directores de jornais, além que Clara Ferreira Alves, qu' é membro do júri do Prémio Pessoa, acha que Carrilho acusa os de cima e não os de baixo;

Clara Ferreira Alves, qu' é membro do júri do Prémio Pessoa, acha que os bons jornalistas têm sido afastados das redacções e são hoje colunistas, e Clara Ferreira Alves, qu' é membro do júri do Prémio Pessoa, jornalista e colunista, acha que as instâncias jornalísticas não debatem o jornalismo;

Clara Ferreira Alves, qu' é membro do júri do Prémio Pessoa, acha que Carrilho é arrogante, mas Clara Ferreira Alves, qu' é membro do júri do Prémio Pessoa, acha que Carrilho devia legar o seu corpo à medicina;

Jorge Palma que nos perdoe, mas esta canção só pode ter sido escrita a pensar em Clara Ferreira Alves: «Tira a mão do queixo, não penses mais nisso / O que lá vai já deu o que tinha a dar / Quem ganhou, ganhou e usou-se disso / Quem perdeu há-de ter mais cartas para dar / E enquanto alguns fazem figura / Outros sucumbem à batota / Chega aonde tu quiseres / Mas goza bem a tua rota».
Adenda: Diminuímos o tamanho da foto e substituímos «que é» pela forma «qu’ é», colocando em itálico a expressão «acho que».
#1 / #2 / #3 / #4 / #5 / #6 / #7 / #8 / #9

Seis lâminas de navalha
o altar portátil
os dragões perfilados
gravada a cruz na pele
brancas perversas mudas
dançando sempre em roda
do vestido fizemos as paredes

Lisboa, 1992

Madalena Férin

Madalena Férin nasceu nos Açores, ilha de S. Miguel, a 22 de Julho de 1929. Estreou-se em 1957 com a colectânea Poemas, à qual foi atribuído o Prémio Antero de Quental. Entre 1965 e 1975, residiu em Faro. Após o interregno de mais de 25 anos, voltou a publicar com Meia-Noite no Mar (1984), A Cidade Vegetal (1987) e O Anjo Fálico (1990). Licenciada em Filosofia, é autora de livros de ficção e de poesia, tendo vários trabalhos ensaísticos publicados nas revistas Ocidente e Revista de Portugal. Possui ainda trabalho enquanto tradutora e está representada em algumas antologias.

PAISAGEM



Rui Costa

28.5.06

Albrecht Dürer (1471-1528): Melencolia I
Levarei para o meu túmulo todas as cores que povoaram o meu olhar. Por me haverem lido em meia dúzia de frases, julgarão saber-me de cor e salteado. Mas num homem encerra-se algo mais que um mero cacho de versos rarefeitos. Um homem não é só o que mostra, o que se mostra é muito pouco do que se é e o que se é não se vê. Por vezes, convém-nos esquecer que por dentro dos contornos há universos indecifráveis. O homem é um universo indecifrável. Um silêncio calado por trás do ruído, um matiz explosivo por dentro do branco. Nada do que importa se diz, por isso tudo pode ser dito. Nada será revelado, nada do que importa. O que importa fica sempre para lá daquilo que pode ser revelado.
20 de Abril de 2004

O seu a seu dono

Não é à grande Ágata, mas sim ao genial Nelo Monteiro, que os portugueses devem a autoria desse engenhoso aforismo: «Sou pimba, mas tenho um Mercedes.»

Silêncio,
Era apenas um palhaço.
Um espaço novo – nascia
um crepitar luminoso – crescia
No rosto múltiplo
ora anoitecia ora amanhecia
e, na transpiração… ria… ria.
Atento, denso de expectativa
na transparência subtil dum gesto
percorria os lugares…
das aparições… das magias.
A tinta da boca, de espanto… a cismar
abria sorrisos e fendas no mar.
O olho, pintura mural egípcia em rotação
penetrava… penetrava, penetrava imenso
num vaivém rítmico – tenso.
E, na pupila que se dilatava
tirava o aço, o estilhaço,
a dor e o cansaço
do coração…


Teresa Zilhão

Teresa Zilhão nasceu em Lisboa em 1951. Em 1970 foi viver para Inglaterra. De regresso a Portugal, entra no Instituto de Arte e Decoração. Esteve alguns anos no Brasil, de onde regressou em 1981. Exercendo actividade profissional em ateliers de arquitectura, colaborou com o jornal Ao Largo e participou na colectânea de poesia Viola Delta. Em 1995 foi distinguida com o Prémio de Revelação APE, na modalidade de Poesia, com o livro Novo Palco.

Um livro corajoso

«A mim, sem preconceitos de qualquer espécie (…), o livro do autor de Crónicas Intempestivas surpreendeu-me, por duas fundamentais razões: por ser de uma leitura empolgante e por me suscitar reacções que se situam exactamente nos antípodas daquelas que tem suscitado à comunicação social, de um modo geral. Carrilho é acusado de se «julgar» inteligente, mas ele é, obviamente, inteligente; de ser convencido e arrogante, mas o livro – sobre a campanha à presidência da Câmara de Lisboa – inclui, no final, uma lúcida e até áspera autocrítica (que ninguém leu, pelos vistos); é acusado de não ter ideias, mas aquilo que no livro transcreve – e é só uma pequena parte – do seu programa eleitoral é um fascinante fervilhar de ideias que se organizam num magnífico projecto para Lisboa – de tal forma, que a sua incrível derrota nos deixa, a muitos de nós, num estado de incurável melancolia.»

«O mais interessante do livro – e altamente significativo da deontologia que preside, entre nós, a jornais e televisões (mesmo aos autoproclamados de «referência») – é o modo como implacavelmente desmonta a fabricação de «factos» e a criação de «mitos» que, mesmo depois de provados falsos (às vezes, na prova de fogo dos tribunais), persistem vivos e actuantes e preservadores de uma imagem que eles ajudaram a construir e que deles continua a abonar-se, mesmo depois de demolidos. Sim, diz-se, talvez tudo aquilo não seja lá muito verdadeiro, mas… Talvez seja mesmo falso, mas… Talvez a comunicação social tenha sistematicamente ignorado o seu projecto e as suas ideias, concentrando-se em fofoquices e ninharias, mas o tipo tem um feitio difícil e portanto temos todo o direito de achar que não tem ideias. Ou, se tem ideias, para que foi casar com uma mulher tão bonita? Coisa ignóbil, convenhamos. A verdade é que o fogo de barragem anti-Carrilho não tem consistência muito mais séria do que isto.»

«Porquê tudo isto? Porquê este encarniçamento bastante generalizado – embora haja excepções honrosas – contra Carrilho? Suspeito bem que o principal factor é a sua inteligência. A inteligência nunca foi bem acolhida em Portugal. O homem inteligente, mais cedo ou mais tarde, paga-as. António Sérgio, Jorge de Sena, irritavam constantemente o lusíada patego. Estavam mais informados, ligavam melhor as coisas, punham tudo em perspectiva, contrariavam constantemente as generalizações pacóvias dos provincianos. Régio irritou constantemente toda a gente, com as suas objecções, as suas dúvidas, os seus reaprofundamentos, a sua «mania de análise». «Fulano é demasiado inteligente para meu gosto», eis uma expressão bastante lusíada – e não só: os ingleses têm uma idêntica:
He is too clever by half

Eugénio Lisboa, in JL (24 Maio – 6 Junho 2006)
#1 / #2 / #3 / #4 / #5 / #6 / #7 / #8

27.5.06

Cantigas da Rússia

in Bicicleta dos dias ímpares.

Na íntegra:

Cantigas da Rússia
Não falam verdade
E as amaricanas
São puvlicidade.

Estes portugueses
Parecem sueses
Mas têm balor
Cabeças tramoucas
Bão de vouca em vouca
Espalhando amor.

As cantigas populares
Ao passar
Iam indo pró maneta
Do planeta
E os retrofoguetões
Espalhando corações
Fazem do medo
Uma treta.

Letra de Fernando Assis Pacheco, data desconhecida. Escrito a seguir à “Cornélia”, para um grupo da zona de Aveiro que a terá cantado na RTP. Transcrito de memória por Rita Assis Pacheco, a 25 de Maio de 2006.

«Consumidores poupam quase seis euros por mês»

O título vem no suplemento Economia do Diário de Notícias. O consumidor fica à nora. Quer saber em que é que poupa. As gordinhas revelam: «Projecto de lei apresentado pelo PS, visando o fim das taxas dos contadores domésticos, foi bem recebido pelo Deco…» Mas o Deco não está em Évora, em estágio com a selecção? Que raio tem o Deco que ver com isto? Mas espera… Estupefacção! O consumidor poupa seis euros num projecto de lei que visa o que ainda não é. Ou seja, o consumidor anda a poupar no que ainda não poupa. Isto precisa ser esclarecido. Continuemos: «os municípios admitem aumentar o preço da água para compensar a taxa». Isto assim não dá. Primeiro dizem-nos que poupamos; depois, a poupança passa a projecto de poupança; por fim, o projecto de poupança transforma-se em compensação. O consumidor pasma e pensa. Passados uns segundos de apurado pensamento, o consumidor expurga-se: por esta época, somos atacados pela ignomínia dos acertos. €167 de gás, €250 de electricidade… Desconheço a razão destes acertos. Acontecem, provavelmente, porque as senhoras donas empresas não têm lucros que justifiquem um funcionário a verificar, de porta em porta, o que os utentes consumiram mensalmente. Não sei se será essa a razão. Sei que num orçamento mensal na ordem dos €950, sem subsídio de férias nem de natal, em que €150 dele vão direitinhos para a Segurança Social, estes acertos podem muito bem dar cabo de umas férias. Andamos a viver para pagar contas. Parca motivação para se estar vivo. Façam-se filhos.

Boas Notícias

A gente tem tendência a falar em demasia do que é mau. Já aqui disse de Jorge Silva Melo. Digo agora do programa Câmara Clara: muito bom. Eduardo Pitta também gostou. Durante o programa, Nuno Nabais confessou ter por hábito dizer aos seus alunos que os clássicos, apesar de serem, em grande parte, chatos, são bons porque dão trabalho. Jorge Silva Melo preferiu sublinhar a ideia da curiosidade: o que é de difícil compreensão, torna-se cativante pela curiosidade que desperta. Ambos têm razão. O problema reside noutros aspectos. Como despertar a curiosidade pelas letras em alunos onde a curiosidade está cada vez mais dependente das imagens? Como fazer crer que os desafios à nossa compreensão são importantes quando o facilitismo está instalado? Não há espírito de sacrifício hoje em dia. Tudo é facilidade. À distância de um clique, temos tudo o que precisamos para sermos felizes: informação. Não importa se deformada, não importa se manipulada, não importa se verdadeira. Basta que seja uma informação que nos iluda o desejo e a ambição de sabermos alguma coisa, o que é preciso para continuarmos a viver a modorra do dia a dia. Veja-se, por exemplo, o episódio aqui relatado, ao qual cheguei via Da Literatura. Sou professor do ensino secundário há praticamente 10 anos. Nestes 10 anos, a verdade é esta: não tive um único aluno que me escrevesse um texto com a qualidade, em termos de língua portuguesa, das redacções que o meu pai fazia na escola primária. Eu próprio, às vezes, sinto-me vítima do mesmo sistema que permite alguém chegar à universidade sem saber a diferença entre vêem, vêm, e vem. Enquanto insistirmos no corporativismo, nada feito nesta matéria. Foram muitas as vezes que chumbei um aluno porque ele, pura e simplesmente, não sabia ler nem escrever. Sobretudo, no 10º ano. É uma desgraça. Acreditem. Pior é depois constatar que na pauta, muitos desses alunos conseguem um 12, um 13, um 14, a língua portuguesa. De quem é a culpa? Dos professores? Dos programas? Dos alunos? Dos pais? Da sociedade? Do Carrilho? Não sei. Só sei que o panorama actual é (devia ser) inadmissível. Bem, como o texto era sobre boas notícias, remato com nota humorística ofertada pelo camarada Fernando:
A evolução do ensino em Portugal

ENSINO NOS ANOS 50/60
Um camponês vendeu um saco de batatas por 100$00. As suas despesas de produção foram iguais a 4/5 do preço de venda. Qual foi o seu lucro?

ENSINO TRADICIONAL - INÍCIO DOS ANOS 70
Um camponês vendeu um saco de batatas por 100$00. As suas despesas de produção foram de 80$00. Qual foi o seu lucro?

ENSINO MODERNO - FINAIS DOS ANOS 70
Um camponês troca um conjunto B de batatas por um conjunto M de moedas. O cardinal do conjunto M é de 100 e cada elemento de M vale 1$00. Desenha o diagrama de Venn do conjunto M com 100 pontos que representam os elementos desse conjunto. O conjunto C dos custos de produção tem menos 20 elementos do que o conjunto M. Representa C como subconjunto de M e escreve a vermelho o cardinal do conjunto L do lucro.

ENSINO RENOVADO – 1980
Um agricultor vendeu um saco de batatas por 100$00. Os custos de produção elevam-se a 80$00 e o lucro é de 20$00. Trabalho a realizar: sublinha a palavra "batatas" e discute-a com o teu colega de carteira.

ENSINO REFORMADO – 1999
Um kampunes recebeu um çubssidio de 50$00 para purdusir um çaco de batatas, o qual vendeo por 100$00 e gastou 80$00. Analiza o teisto do isercicio e em ceguida dis o que penças desta maneira de henriquesser.

26.5.06


Sobre esta linha, paira uma gralha.
___________________________________________________
Aurora Silva

Eis o que resta
da minha pátria.
A mão que procura
Sem lógica amargura
o corpo desses mortos.

Já nem sei o que sou
no instante do crepúsculo
espaço frente ao tempo
eternidade ferida
entre o fim e o pranto.

Tumultuoso coração
diz-me, mãe,
com tua boca molhada
se a memória sustém
o lívido mundo.

Ana Marques Gastão

Ana Marques Gastão nasceu em 1962, em Lisboa. Iniciou a sua carreira literária com Tempo de Morrer, Tempo para Viver (1998), tendo-se-lhe seguido, entre outros, Terra sem Mãe (2000). Formada em Direito, é crítica literária e redactora cultural do Diário de Notícias. Editou no Brasil uma antologia pessoal intitulada A Definição da Noite (2003) e está representada em várias antologias. »

A minha bandeira:


O nada que eu sou não o é no sentido da vacuidade, mas antes o nada criador, o nada a partir do qual eu próprio, como criador, tudo crio. Por isso: nada de causas que não sejam única e exclusivamente a minha causa!
Max Stirner

EXORCISMOS


De acordo com critérios pessoais, tudo o que é contrastante agrada-me.
A minha moral: dispenso lições de moral.
Não é por a mulher ser a negação do homem que vou deixar de gostar de mulheres.
O desconforto, por si só, não justifica uma boa avaliação. Os erros ortográficos, por exemplo, causam-me um tremendo desconforto. São para penalizar.
Mais que a complacência, o que há de detestável no ser português é a preguiça da generalização.
O que vem de fora só é realmente genial até nós irmos lá fora.
P.S.: Bebo o café sem açúcar. Mas nunca engulo as porras.

Ao cuidado de

Hoje, no suplemento 6.ª, Ana Marques Gastão escreve sobre livro de Luís Naves, jornalista do Diário de Notícias em matéria internacional. Esta informação não carece de vencimento.
P.S.: para os menos recordados, talvez não seja má ideia deixar aqui esta ligação.

Mudanças

A fotografia de Ana Sá Lopes que encima a crónica com o título genérico de «Diário de Vanessa» foi alterada. Fizeram bem. A jornalista do Diário de Notícias ficou mais favorecida. Agora só falta mesmo mudar o «Diário de Vanessa».

Gosto de listas

O José Miguel Silva listou aqueles que são, em sua opinião, os 10 melhores filmes nacionais de sempre. Eis uma alternativa, completamente subjectiva, por ordem cronológica:

1. «Aniki Bóbó» (1942), de Manoel de Oliveira;
2. «Belarmino» (1964), de Fernando Lopes;
3. «Quem Espera Por Sapatos de Defunto Morre Descalço» (1971), de João César Monteiro;
4. «O Lugar do Morto» (1984), de António Pedro Vasconcelos»;
5. «Balada da Praia dos Cães» (1986), de José Fonseca e Costa;
6. «Ossos» (1997), de Pedro Costa;
7. «Longe da Vista» (1998), de João Mário Grilo;
8. «Tarde Demais» (2000), de José Nascimento;
9. «Noite Escura» (2004), de João Canijo;
10. «Alice» (2005), de Marco Martins.

Nota: Nenhum destes 10 filmes faria parte da minha lista dos 10 melhores filmes de sempre.

25.5.06

A minha editora preferida

& etc
(via masson)

WISLAWA SZYMBORSKA

in AD LOCA INFECTA.

Trata-se de um poema da grande poeta polaca, traduzido por José Miguel Silva a partir da versão inglesa. Outra versão, traduzida directamente do polaco por Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves, pode ser encontrada na excelente antologia Alguns gostam de poesia, publicada pela Cavalo de Ferro em Março de 2004. Deixo a primeira estrofe do poema em cada uma das diferentes traduções:

O TERRORISTA OBSERVA
A bomba no café vai explodir às treze e vinte.
São treze e dezasseis neste momento.
Há ainda tempo para entrar
e tempo para sair.

(versão de José Miguel Silva)


O TERRORISTA – ELE ESTÁ A VER

A bomba vai explodir no bar às treze e vinte.
São só treze e dezasseis.
Alguns ainda vão a tempo de entrar,
outros de sair.

(versão de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves)

A CRISE

Portugal, vá lá, ainda não perdeu tudo. Tem a crise, constante, incondicional amiga, a dar consistência à alma e à conversa…

Rui Costa

CHULA BANCO, MORRE BANCO


“Os bancos existentes em Portugal lucraram, no seu conjunto, e durante o primeiro semestre deste ano [2005], cerca de 883 milhões de euros. Qualquer coisa como 4,87 milhões de euros por dia, revelam dados do boletim hoje divulgado pela Associação Portuguesa de Bancos (APB).” aqui

“Os lucros dos cinco maiores bancos portugueses ultrapassaram os 2.162 milhões de euros em 2005, tendo subido, no conjunto, 32,30 por cento em relação ao ano anterior.” aqui


“Em 2005, ano em que a economia nacional permaneceu no limiar da estagnação, os lucros do Banco Comercial Português (BCP), do Banco Espírito Santo (BES) e do Banco Português de Investimento (BPI), os três maiores bancos privados nacionais, aumentaram, em termos médios, 42 por cento face a 2004. Os resultados líquidos globais cifraram-se em quase 1300 milhões de euros - um valor histórico.” aqui
Rui Costa

24.5.06

PRÓS & CONTRAS

Muito Bom: Vi e revi o Prós & Contras da passada segunda-feira. Vi, na totalidade, na segunda; revi, parcialmente, na terça. Fiquei com a sensação de ter assistido a um momento raríssimo de debate, neste país de amorfos considerandos e simpáticas considerações. Olhos nos olhos, por vezes de dedo em riste, esgrimiram-se argumentos com uma acutilância que é, do meu ponto de vista, bastante saudável para qualquer país que se queira democrático. Pedro Lomba e Pedro Mexia já disseram: primoroso, um grande momento televisivo. Quem sou eu para discordar? Ao livro de Carrilho ninguém poderá usurpar o mérito de, pelo menos, ter já proporcionado um momento destes. A promiscuidade entre o económico, o político e o mediático, ali estampada, às claras, sem pruridos de espécie alguma.

Bom: José Pacheco Pereira e Emídio Rangel. O primeiro por ter desmontado, serena e inteligentemente, os vícios e as fragilidades do livro em causa. Perde apenas na insistência em alguns clichés inconsequentes - «Se vives pela imprensa, morres pela imprensa.» - e nas comparações absurdas que faz entre os comportamentos de Manuel Maria Carrilho e Pedro Santana Lopes. Para percebermos a distância que os separa basta pensarmos, tomando de princípio o argumento de Pacheco Pereira, nas reacções às supostas queixinhas. Ainda assim, sobre Pacheco Pereira, Rui Costa Pinto diz o essencial: «Pacheco Pereira, que sempre ganhou a vida, entre outras actividades profissionais, a dizer mal dos jornalistas e do jornalismo, o que é um direito que lhe assiste, esteve claramente do lado errado da barricada. Aliás, o seu desconforto foi evidente.» Ao contrário de José Pacheco Pereira, Emídio Rangel não quis concentrar-se no livro de Carrilho. Preferiu chamar a atenção para aspectos mais relevantes: o péssimo jornalismo de que Carrilho, como outros, foi vítima. As críticas pertinentes às abordagens ao putativo «vídeo familiar» e ao tratamento do debate entre Carrilho e Carmona – com o empolgamento desmesurado do «caso do aperto de mão», permanentemente servido sem qualquer tipo de enquadramento que não fosse o de procurar reduzir o debate ao gesto de Carrilho, transformando esse gesto num traço de carácter e omitindo a difamação de que Carrilho havia sido alvo – foram sendo entremeadas com dados interessantíssimos da última edição do Expresso: «Numa proposta, a que o Expresso teve acesso, enviada às agências de informação por uma entidade ligada à organização de eventos, podia ler-se um eloquente caderno de encargos: um mínimo de 15 inserções na Imprensa especializada, de 50 notícias e 10 entrevistas na Imprensa generalista e de 100 nas rádios nacionais. Na televisão exigiam-se 10 notícias, cinco das quais em «prime-time», e 100 referências na Internet».

Suficiente: Carrilho resolveu dar a cara, bem ou mal, por uma batalha inevitavelmente inglória. Ganha na coragem que demonstra ao fazê-lo, perde com a inexistência de provas sólidas sobre aquilo que diz. Em alguns casos, sem qualquer necessidade. Falar em coincidências não chega. Para convencer quem não acreditaria que o homem foi à Lua se o soubesse pela boca de Carrilho, é necessário algo mais. Dizer que escreveria o livro quer ganhasse quer perdesse as eleições, é matéria para gente de fé. O problema de personalidade de Manuel Maria Carrilho, tão bem retratado por Vasco M. Barreto em post intiulado Vaidade, inveja e vacuidade, só é problema na sociedade portuguesa actual: uma das mais corruptas, indigentes e analfabetas da Europa. Por mais que Carrilho diga que o livro é sobre uma campanha, ninguém o tomará por outra coisa que não seja um exercício de vitimação, ressentimento, um livro sobre a derrota. A forma como o público olha Manuel Maria Carrilho revelou-se num extraordinário momento naquele debate. No primeiro quarto de hora de programa, Carrilho faz uma afirmação que merece palminhas da plateia: «Você – Ricardo Costa –, dobrado e ajoelhado à informação espectáculo, ficará sempre como o rosto do jornalismo mais vergonhoso que se faz em Portugal». A mesma afirmação é feita no final. Mas dessa vez já só se escutam alguns apupos. Do princípio para o fim do programa, a empatia de algum público presente com o filósofo foi-se invertendo. Por quê? É fácil de explicar: Carrilho nunca resistiu a responder na mesma moeda aos argumentos capciosos de Ricardo Costa. Para filósofo, deixou-se picar em demasia.

Mau: Ricardo Costa é, sem dúvida, um dos rostos do jornalismo espectáculo que se vai fazendo em Portugal. Tudo o que tem de mau, revelou-se neste debate. Fugiu constantemente ao essencial, recorrendo a factos passados. Começa o debate a falar de acontecimentos ocorridos em 1996. Acusa Emídio Rangel de já não ser amigo deste, de não ter telefonado àquele, de ter ido ao casamento daqueloutro, etc. Nem um único argumento contra o livro que fosse única e exclusivamente sobre o livro. Tudo o que disse teve por objectivo dar cabo da imagem de Manuel Maria Carrilho e passar um paninho quente pela actividade das agências de comunicação. Em Portugal chama-se a isto fazer o trabalho de casa. Escapou-lhe, acerca de uma reportagem sobre uma acção de campanha de Carrilho, a frase: «Se calhar a jornalista tinha algum «parti-pris» com o candidato». Fernando Martins diz que «Ricardo Costa foi algumas vezes infantil». Eu diria que ele não podia ter sido mais tuga.

Muito Mau: O indivíduo que estava a representar a tal agência de comunicação de Cunha Vaz, o mesmo Cunha Vaz que afirmou isto ao Expresso do passado dia 20: «(…) em meados de Setembro, no final da pré-campanha, a equipa de Carmona Rodrigues estava com a impressão «que os jornalistas estavam com Carrilho.» Nessa altura, a estrutura do PSD «pôs o nosso trabalho em causa». Pela boca do visado, ficamos a saber que: 1. os jornalistas em Portugal estão mais com os candidatos do que com a informação; 2. cabe aos consultores de comunicação orientar os jornalistas na direcção de quem pagar mais e melhor. O indivíduo, o que esteve no programa, quanto a isto nada disse. Limitou-se a abrir a boca para citar Salazar, comparando uma afirmação deste com certa postura de Carrilho. Fez-me lembrar discussões da adolescência que terminavam invariavelmente, na falta de argumentos, naquele ataque caricato que consistia em acusar ao adversário temíveis tiques nazis. Como se por Hitler ter dito que amava a mãe ninguém mais pudesse dizer que ama a mãe. Foi tão ridículo a falar quanto a sua imagem com o livro do Professor ao colo.
Adenda: ler este post de Luís Rainha.
Adenda 2: «Quanto ao inenarrável Ricardo Costa a impudicícia demonstrada nos argumentos, todos dignos de delator ou de garoto escolar (eu fiz, mas sei que tu também fizeste), é o episódio mais marcante e terá efeitos nefastos, seguramente, no futuro.» (by masson)

Bloco de apontamentos # 29

MJLF, páginas de Vale de corvos, 1992
Sempre que olho para os blocos de apontamentos sinto que a casa precisa de ser arrumada e limpa. Mas tenho o prazer mórbido de observar o pó a acumular até se tornar cotão, para depois tomar medidas drásticas.
Maria João

PUB. remisturado por TAV 69

9
O meu avô deu-me
um caralho das caldas
quando eu tinha sete anos
se eu sinto falta dele
de qual deles
disca 007.

10
Temos 30 ciclistas
marcados para o pequeno-almoço
e um discurso sobre os bosques
e os caminhos no Outono
(com ênfase na alfazema)
venha ao nosso blogue
na quinta-feira
traga o grande apetite da manhã
vendemos esparguete de lã
e postais da cabra marinha
esquiamos no monte gnochi (sem carne)
e por toda a andorra
em Pinkie experimentamos calças de senhora
plastificamos fotografias com suor de bolso
preparamos surpresas para trinta de janeiro.

11
Uma vontade louca de caracóis
uma cadeia snaile house
portugal export.

12
Batatas fritas
lights
40% lights
exactamente 40%?

13
Novo poema
do poeta
http://www.omelhorpoeta.maf/
da editora
do poeta
não passe sem um poema
na sua vida
este poema é um dos mais
importantes da poesia
do editor
do j.s.p.
jornal superior de portimão
e do puto
abriu o livro
leu o poema
do poeta
da editora
e esperou
você não espere
compre já
www.poe.gov

1, 2, 3, 4
5, 6, 7, 8

Nuno Moura

CORPO A SAIR DO AZUL


Rui Costa

Toma lá, vai buscar

Estupefacção, é o mínimo que me apraz dizer. Explico. Raramente endereço parabéns a weblogs ou, se quiserem, bloguistas, pelos aniversários dos "monstrinhos". Isso deve-se a achar o acto um pouco paranóico. Mas está de ver que a blogolândia é, sem dúvida, a paranóia total. Uma vez a Carla disse-me tratar-se de mero gesto de simpatia. Na altura não percebi. Reconheço agora ter sido um autêntico parvalhão. Resta-me prometer muitos parabéns de hoje em diante, começando desde já por agradecer o vosso reconhecimento. Aos subsequentes apanhados, a minha consideração: Afonso Cruz, Alexandra Barreto, Amélia Pais, Ana Cláudia Vicente, Ana Teixeira, André Moura e Cunha, António (?), António Luís Catarino, Aurora Silva, Carla Carvalho, Carlos Sousa Almeida, Catarina, Darlan M. Cunha, David Luz, Eduarda (?), Eduardo Pitta, Fernando Gomes dos Santos, Filipe Guerra, Germano, Helena, Ísis, Miguel Manso, José Pimentel Teixeira, Kaku, Lebre, Luís Ene, m., manuel a. domingos, margarete, Maria C., Maria da Conceição, Maria João, Marta, mb, Meg, Miguel Cardina, Nuno Costa Santos, o coisinho da anaconda emplumada, Pedro Correia, Ricardo António Alves, Ricardo Mariano, Roteia, Salomé, Sérgio Lavos, Sílvia Chueire, Soledade Santos, Torquato da Luz, vítor leal barros, entre outros que eventualmente me tenham escapado. Agora toca de retribuir o gesto aos três intermitentes, mas magníficos, aninhos do Azul Cobalto. Saúde,

22.5.06

um ano

Amanhã o Insónia fará um ano de actividade. Desde já, o meu abraço aos colaboradores insones: Maria João, Nuno e Rui, sois os maiores. Mas também aos outros que nunca ali figuraram ou já figuraram ou hão-de, quiçá num próximo post, passar a figurar: Joaquim, Aurora, manuel a. domingos, Luís, etc. O Insónia não possui site meter desde a fundação, pelo que dados estatísticos a esta altura do campeonato são mais trabalhosos que proveitosos. Ainda assim, às 73,972 visitas desde algures de Agosto de 2005 até à hora, minuto e segundo que escrevo esta parvoeira de post, o meu mais que muito obrigado. Gracias também a todos os comentadores, principalmente aos anónimos. Gostamos que digam do pior, que dêem asas à chicana, à ordinarice, à bílis. O que este país precisa é de mais exorcizações. Que a caixinha vos vá servindo! Last but not least, a arte do link continua a ser dos nossos entreténs predilectos. Obrigado a todos os que nos linkaram. Os outros, bem, os outros não sabem o que perdem. Quanto ao resto, devo esclarecer que, mais tom menos tom, os weblogs continuam a ser vistos cá em casa como um invento… atormentador. Pelo que, para aniversário, gostaria de algo muito, mas mesmo muito especial. Algo nunca visto por estas bandas. Tirarei o dia de amanhã para dormir. Será, julgo, a melhor forma de comemorar um ano de Insónia. A todos um bem-haja e muita saudinha,

À beirinha de uma ano de actividade…

…o que de mais definitivo me disseram sobre o Insónia, veio deste senhor, ontem à noite, via MSN:

Starry Night diz:
olha a ti alcipes. porra que tu postas como o caralho
Starry Night diz:
um gajo se não te visitar por dois dias fica com um lençol para ler

A sementinha tem um pipi.

PUB. remisturado por TAV 69

5
Depois da cerveja
Aguardente Coxeira
para os sonhos
novas senhas
se Aguardente Coxeira
for tudo o que tenhas.

6
Casa do povo
da ponta do pargo
associa-se aos
festejos da festa
do pêro.

7
Até onde pode chegar o dentífrico
até ao bayleis?

8
Porque é que deixas de falar comigo
quando entras num túnel?

1, 2, 3, 4

Nuno Moura

Bloco de apontamentos # 28

MJLF, Nós somos os brinquedos / os brinquedos são nossos, 1997

Recebo uma chamada de Amesterdão a avisar que o caminho está livre, ele tem andado por lá e por Paris. Aqui fica tudo tão distante e eu nunca soube o que fazer com os sonhos dos outros, tenho a língua presa, a minha língua prendeu-me. Um dia destes vou ter de a cortar.

Maria João

A UMA MORTA

Eis o mel a escorrer do coração das rosas,
Os perfumes, as cor’s, os hálitos amados:
Vós não sorrireis mais à beleza das cousas;
Vossos braços estão doravante fechados.

Nunca mais sentireis, sobre as pálpebras mortas,
O lento desfolhar de choros perfumados;
Desfaz-se-vos o peito em tais metamorfoses
Que a tempo chego só de não mais encontrar-vos.

Do ser, que resta? Um nome. E do tempo? Uma data.
Teríeis sido, ao sol, a sombra que eu amara.
No degrau de um sepulcro o meu amor tropeça.

Mais desenvolta, a morte apressou-se a tomar-vos;
Se pensardes em nós haveis de lamentar-nos:
Nós julgamos cegar assim que uma luz cessa.


Tradução de David Mourão-Ferreira.

Marguerite Yourcenar

Marguerite Yourcenar, pseudónimo de Marguerite Cleenewerck de Crayencour , nasceu a 8 de Junho de 1903 em Bruxelas (Bélgica). Devido a ter perdido a mãe à nascença, foi educada pelo seu pai, francês, aprendendo logo muito cedo inglês, latim e grego. Em 1914 partiu com o pai para Paris, passando, desde essa altura, a maior parte da sua vida em viagens. Começando a escrever ainda na adolescência, publicou o seu primeiro livro, O Jardim das Quimeras, aos 17 anos. No início da II Guerra Mundial foi viver para os E.U.A., acabando por naturalizar-se cidadã norte-americana. Foi a primeira mulher eleita à Academia Francesa, em 1981. Poeta, romancista, dramaturga, intelectual, traduziu numerosos romances ingleses e americanos para a língua francesa. Em Outubro de 1987, ano da sua morte, foi-lhe atribuído o Grande Prémio Escritor Europeu do Ano.

21.5.06

No Modelo

Uma cliente hesita entre Couves & Alforrecas, Os Segredos da Escrita de Margarida Rebelo Pinto, de João Pedro George, e Sob o Signo da Verdade, de Manuel Maria Carrilho.

A cólera

A cólera visitou-nos no começo da estação. Esculpiu-nos a vontade, trabalhou-nos o coração como alguns artistas trabalham a pedra. Logo após a primeira noite, ao calor do fogo descoberto a cólera suprimiu a corrente que nos ligava e separou-nos para sempre. A cólera condenou-nos aos esquemas, às estruturas de borracha, a uma vida de sombra. Quando finalmente cairmos de novo em nós, vislumbraremos a mancha da cólera estendida sobre todos os actos que nos desuniram. Mas ela não é causa, não é motivo. Ela não é intenção nem finalidade. Ela é o que nasce de não nos contentarmos com a miséria e de nos querermos sempre além do que a natureza permite. Como uma poça de óleo espalhada no asfalto, ela é o que nos mete os pés a derrapar para as margens; como a geada num tapete de mármore, ela é o que nos faz patinar até ao choque final, brutal, corpo com corpo. Até ao sangue. Longe daquilo que algum dia nos terá unido, pode a cólera reinar. E, convenhamos, tem reinado mais do que seria desejável. Porque tem sido táctica (por vezes de morte). Porque tem sido estratégia (por vezes de poder). Porque tem passeado pelo palco da vida como uma metáfora da morte, bem mais real que a própria morte. Porque tem-se metamorfoseado de astúcia nas bocas dos especialistas. Porque tem sido jogo ao serviço da acuidade (por vezes económica). Porque à maneira dos muros que circunscrevem os povos, ela tem traçado a geografia dos ideais sem identidade. Desmoronando o amor, a cumplicidade, a solidariedade, aquilo que nos une, com o talento transbordante dos arautos da miséria. Impõe-se que chamemos à forca a moral da cólera. Essa que amplia o ódio por dentro da fé, transformando os homens em lobos disfarçados de santos; essa que dispõe dos indivíduos, na vida quotidiana, como se eles fossem instrumentos, utensílios ao serviço duma obra que jamais desfrutarão; essa que sujeita a vontade a ideologias afundadas no cínico pântano dos interesses financeiros. A cólera condenou-nos a uma imensa solidão. Estejamos nós desatentos, levar-nos-á a uma eterna servidão.

22 de Fevereiro de 2005

"Toda araruta tem seu dia de mingau."

Da retractação

Gosto destes gestos. São de enaltecer, pela franqueza e pela humildade que demonstram. Filinto Melo deixou-se enganar pela onda Alegre nas últimas presidenciais. Aconteceu a muitos. Diria mesmo que aconteceu a alguns dos melhores. Agora mostra arrependimento. Tem razões para isso.

20.5.06

CANTIGA

Sozinha no bosque
Com meus pensamentos,
Calei as saudades,
Fiz trégua a tormentos.

Olhei para a lua
Que as sombras rasgava,
Nas trémulas águas
Seus raios soltava.

Naquela torrente
Que vai despedida
Encontro assustada
A imagem da vida.

Do peito em que as dores
Já iam cessar,
Revoa a tristeza
E torno a penar.
Marquesa de Alorna

Marquesa de Alorna, D. Leonor de Almeida Lorena e Lencastre, nasceu em Lisboa a 31 de Outubro de 1750. Aos oito anos foi encerrada como prisioneira no convento de Chelas. Na sua reclusão do convento de Chelas, entregou-se aos estudos e à composição de poesias, vindo estas a figurar mais tarde nas suas obras completas com o título de Poesias de Chelas. Conhecedora de várias línguas, desenhava e pintava admiravelmente. Enamorou-se dum fidalgo alemão, o conde Carlos Augusto de Oeynhausen, com o qual casou em 1779. Após a nomeação de ministro plenipotenciário de Portugal em Áustria, o conde de Oeyhhausen partiu para Viena na companhia de sua esposa. A condessa tornou-se notável, em Viena, como poetisa e pelos seus trabalhos de pintura. O conde de Oeynhausen faleceu a 3 de Março de 1793. Após a morte do marido, D. Leonor de Almeida dedicou-se à educação dos filhos e à reabilitação da memória da sua família, sobretudo de um seu irmão, que fora condenado como traidor à pátria. Adoptando o nome literário de Alcipes, de entre as suas obras destacam-se as Obras Poéticas (seis volumes que incluem epístolas, odes, sonetos, éclogas, elegias, canções, apólogos, cantigas e epigramas). Todas as suas obras foram publicadas postumamente, após a morte ocorrida a 11 de Outubro de 1839.

Retracto-me.

O livro de Manuel Maria Carrilho, afinal, está a cumprir alguns dos seus objectivos. Veja-se esta notícia de capa (hoje!!!!!) no Expresso: «DOIS estudos sobre os «media» portugueses indicam que cerca de 70% das notícias publicadas em jornais diários têm como fonte agências de informação e assessorias de imprensa. São trabalhos que credibilizam a teoria de que as chamadas «fontes organizadas» influenciam a agenda das redacções, mas não prova que elas tenham o poder de orquestrarem campanhas negativas para derrotarem candidatos a cargos públicos, conforme Manuel Maria Carrilho tenta demonstrar no seu polémico livro Sob o Signo da Verdade Gosto especialmente do mas, do que vem a seguir ao mas, pois julgo extraordinário que um estudo do género, seja ele qual for, consiga provar a inexistência de maquinações. Aliás, diria mesmo que com estudos destes não precisamos da judiciária para nada.
#1 / #2 / #3 / #4 / #5 / #6

19.5.06

LENDO / VENDO /OUVINDO

in Abrupto.

Esta parte: «Mário Crespo na SICN fez a melhor entrevista a Carrilho até agora realizada sobre o seu livro. Com um interlocutor difícil, sem nunca ultrapassar a condição de entrevistador, tendo estudado a matéria e sem preconceitos corporativos, fez perguntas certeiras para as quais não houve resposta cabal. E tirou do livro de José Gil uma interpretação certa, que um filósofo como Carrilho, que também cita Gil a propósito da inveja, perceberá que se lhe aplica. Onde, no seu livro, está "inscrita" a derrota eleitoral de Lisboa?»
(Estupe)facto: Não vi a mesma entrevista que JPP viu. Perguntas certeiras para as quais não houve resposta cabal? Isto é o cúmulo do facciosismo. Felizmente não fui o único a não ver a mesma entrevista que JPP viu. Que sirva de curto exemplo esta passagem aqui transcrita (mais comentários adjacentes). Leia-se:

Mário Crespo - Mas o senhor também tinha empresas a trabalhar na sua campanha...
Manuel Maria Carrilho - Quais empresas?
Mário Crespo - A Metris, por exemplo...
Manuel Maria Carrilho - A Metris é uma empresa de sondagens!

Reproduzo parte dos Comentários: «Então o Mário Crespo não sabia que a Metris não é uma agência de comunicação? Sempre á espera de um deslize, de um paso em falso dos entrevistados e...pumba!! Agora para demonstrarem "desportivismo" e imparcialidade deviam repetir á saciedade este "deslize" como fizeram com o não aperto de mão Carrilho-Carmona.» Mais este: «...há pior, Pacheco Pereira, esse iridiscente comentador das oportunidades que lhe sirvam a agenda, a pessoal e a outra, também na SIC, deixou, mais uma vez, perceber a forma como actua, esperto e, por vezes, até, inteligente, começou por aceitar, com as subtilezas do costume, que a questão levantada era pertinente, mas o "mal" estava no sujeito que a levantou e no formato que escolheu para o fazer, e, por isso, claro está, não se prolongaria em comentários antropomórficos. Ora bem, o que este homem pretendeu diz na Quadratura do "Quadrado" é que só são causas nacionais respeitáveis as que forem levantadas por ele no seu blogue ou então, nos muitos púlpitos de que dispõe.»

E acrescento: fazer comparações como as que JPP faz neste post, dizendo que «é mimético o livro do dr. Carrilho das queixas plangentes do dr. Santana Lopes» chega a ser pungente. Sobretudo por estas conclusões extraordinárias: «Ambos demonstram a veracidade do ditado: "Se vives pela imprensa, morres pela imprensa." Quer um quer outro brincaram com um fogo perigoso, o da exposição pública com fins promocionais, ou seja, em política, eleitorais.» Ou seja, JPP reconhece as razões de Carrilho sem querer dar-lhe qualquer tipo de razão. Isto não é comovente? Este tipo de análise esquizofrénica não é do mais comovente possível? A minha convicção é esta: por mais razão que Carrilho tenha, haverá gente que jamais lha reconhecerá de forma clara e objectiva. É vaidoso, é arrogante, é vaidoso, é arrogante, e pronto e daqui não sairemos. Inveja, meus caros, escreve-se de muitas maneiras. JPP, ao contrário de Marco Paulo, tem nesta matéria dois claros desamores. Isso deixa-o a braços com uma crise de identidade: não gosta da comunicação social que temos, nem gosta de Manuel Maria Carrilho. Resta saber de quem gostará ele menos.

Dois em Um

De nada (pelos agradecimentos). Obrigado (pelos parabéns antecipados).

Paranormal

Manuel Maria Carrilho foi ontem entrevistado por Mário Crespo na SIC Notícias. Como já milhares de weblogs dissertaram sobre o contraditório, depois do anão político com mais contactos por m2 na lusa-esfera ter, ao que parece, opinado exaustivamente sobre o que não havia lido, limitar-me-ei a registar o que ficou no ar: a intenção de um debate que, segundo Carrilho, vai ser feito a bem ou a mal. A bem ou a mal, certo é que o debate já começou a ser mal feito. Por exemplo, Nuno Rogeiro, também opinando sobre o que ainda não tinha lido, referiu um prefácio de José Saramago que nunca existiu. Na revista Sábado da quinta-feira passada, num dos cinco posts que aí publica, o conceituado «fazedor de opinião» brinca com as supostas teorias da conspiração que terão afectado, em tempos recentes, Santana, Ferro Rodrigues, arguidos do caso Casa Pia, Mário Soares, Alegre, Berlusconi, Prodi, Cavaco. Enfim... um graçola. Manuel Maria Carrilho diz que escreveu o livro para testemunhar uma experiência pessoal que possa servir a reflexão sobre o papel dos media numa democracia. Vai servir para tudo, menos para isso. Outro exemplo chega-nos do Diário de Notícias, onde João Miguel Tavares diz sentir-se discriminado por ter sido ignorado no livro. Não vai servir para nada, o livro. Ou melhor, vai servir apenas para os tais «opinion makers» continuarem a dar largas ao seu sentido de comediantes. O cidadão, tal qual o prisioneiro no fundo da caverna, permanecerá a ver a realidade sob o manto sombrio desta opinião cheia de graça. E nos entrecampos da perspectiva, muito do jornalismo que temos continuará a fazer-se à base de supostas fontes pseudo seguras a partir das quais se fazem as primeiras páginas que interessam a quem paga mais e melhor. O senhor esteja convosco.

Isto anda tudo trocado

Muita da malta que escreve comédia em Portugal, limita-se a "bojardar" umas anedotas com mais ou menos piada. Os verdadeiros comediantes cá do burgo passeiam-se por outros rossios. Há quem lhes chame opinion makers.

PUB. remisturado por TAV 69

1
Descobre os sete gostos do sexo
todos os gelados sabem a arco-íris.

2
Riding the high-addict horse
the way-out fields
this beautifull peugeot.

3
O vidro é no vidrão
o bico é no colhão
não! o bico é no lancia.

4
Jaz tell
opção guilherme sem prefixo
exceda as expectativas da focus organics vida e beleza
novo
vende-se
aluga-se frango da casa.

(continua)

Nuno Moura

Bloco de Apontamentos # 27

MJLF, projecto para monumento aos construtores das naus portuguesas, 1998.

Sonhei que me encontrava nas sinistras caves das Belas-artes, faltava-me ainda uma cadeira para terminar aquilo. É claro que quando acordei sabia que o pesadelo já tinha terminado há muito tempo, mas a sensação de pânico e atrofiamento acompanhou-me todo o dia de trabalho.

Maria João

DE VEZ EM QUANDO

Não voltou a aparecer o homem das tesouras.
De vez em quando, um assobio flauteado
atravessa a casa. Em olhares me alongo
pela rua, até ao fundo da rua, porém do homem
de afiar nem flauta nem sombra. Só a rua.

Um rumor faz-me criança, suavemente

Maria Augusta Silva

Maria Augusta Silva nasceu em Mangualde no ano de 1947. Jornalista do Diário de Notícias durante 27 anos, publicou a sua primeira colectânea de poemas, Dança de Matisse, em 2004. Representada em algumas páginas literárias e antologias poéticas, só aos 57 anos decidiu reunir em livro alguns dos seus poemas. Escritora de livros de reportagem e biografia, foi premiada várias vezes no âmbito da sua actividade jornalística. Autora do livro Poetas Visitados, onde coligiu uma entrevistas a escritores como Albano Martins, Ana Luísa Amaral, António Ramos Rosa, Casimiro de Brito, Cruzeiro Seixas, E. M. de Melo e Castro, Teresa Rita Lopes, entre outros.

18.5.06

Bloco de apontamentos # 26

MJLF, página do livro O último tango, 2005

Uma reencarnação de Sócrates passou na minha rua esta madrugada: reconheci-o pelo andar peculiar e pela barba prateada; ele trazia a miserável condição humana dentro de um saco plástico, pendurado na mão esquerda.

Maria João

delírio dor febre rio onde tinha as raízes
deste desencanto das coisas diariamente traindo-se
quando nem mesmo na água me distendia
(nem seria provavelmente pela ausência de janela
donde dependurar as mãos-apaziguamento)
ou seja quando nem mesmo o púbis à tona do banho
escavava na inércia uma presença de espuma.
e por que havia de? às vezes era o enfado
tão bastas vezes em dados tempos que:
os olhos longe a boca uma linha por cortar
os seios imóveis na concha do soutien o ventre
de duna achatando-se paulatinamente o umbigo
sentinela na guarida o sexo retomando por desfastio
memórias idas as coxas diapasão inútil entre lençóis
os tornozelos cianosados os miolos enfim no topo
da pirâmide como entulho. que paisagem esta assim?
delírio febre contusão e o sono abrindo-se tão alto
como a lua nesse crescendo dela consumindo-se
até que tudo não fosse mais que rasgão.

Wanda Ramos

Wanda Ramos nasceu em Angola em 1948. Filha de pais portugueses, veio viver para Portugal com apenas dez anos. Colaborou com diversas publicações. Publicou o seu primeiro livro de poemas, Nas coxas do tempo, em 1970. Autora de algumas obras de ficção, desenvolveu intenso trabalho enquanto tradutora de escritores tais como Borges, Octavio Paz, Tagore, John le Carré, entre outros. Foi galardoada com o Prémio Literário Cidade de Almada para romances inéditos pelo romance Litoral (Ara Solis). Em 1986 publicou Poe-Mas-Com-Sentidos, livro no qual colhemos o poema acima transcrito. Faleceu em 1998.

Opiniao e mais umas botas

in Estado Civil.

A voz da experiência: «As opiniões não são validadas pelo conhecimento dos temas. São validadas pela circunstância de os comentadores serem (supostamente) "conhecidos".»

À noite, quando nos deitamos, desconhecemos a esperança que nos dissuade de entregarmos a alma a um sono eterno. Na hora de levantar o corpo da cama, poucos saberão da energia que os anima, da energia que volta, ciclicamente, a imprimir cada um de nós nos movimentos do mundo. Quem poderá saber da razão por detrás da vida? Da mancha espontânea que enriquece a geometria dos quadros? Quem poderá definir, matematicamente, o porquê de passarmos pelo mundo como se não fossemos o mundo a passar por nós?

17.5.06

Talvez os pássaros também acordem ao som dos homens.

LUGARES COMUNS

Entrei em Londres
num café manhoso (não é só entre nós
que há cafés manhosos, os ingleses também,
e eles até tiveram mais coisas, agora
é só a Escócia e parte da Irlanda e aquelas
ilhotazitas, mas adiante)

Entrei em Londres
num café manhoso, pior ainda que um nosso bar
de praia (isto é só para quem não sabe
fazer uma pequena ideia do que eles por lá têm), era
mesmo muito manhoso,
não é que fosse mal intencionado, era manhoso
na nossa gíria, muito cheio de tapumes e de cozinha
suja. Muito rasca.

Claro que os meus preconceitos todos
de mulher me vieram ao de cima, porque o café
só tinha homens a comer bacon e ovos e tomate
(se fosse em Portugal era sandes de queijo),
mas pensei: Estou em Londres, estou
sozinha, quero lá saber dos homens, os ingleses
até nem se metem como os nossos,
e por aí fora…

E lá entrei no café manhoso, de árvore
de plástico ao canto.
Foi só depois de entrar que vi uma mulher
sentada a ler uma coisa qualquer. E senti-me
mais forte, não sei porquê, mas senti-me mais forte.
Era uma tribo de vinte e três homens e ela sozinha e
depois eu

Lá pedi o café, que não era nada mau
para café manhoso como aquele e o homem
que me serviu disse: There you are, love.
Apeteceu-me responder: I’m not your bloody love ou
Go to hell ou qualquer coisa assim, mas depois
pensei: Já lhes está tão entranhado
nas culturas e a intenção não era má, e também
vou-me embora daqui a pouco, tenho avião
quero lá saber

E paguei o café, que não era nada mau,
e fiquei um bocado assim a olhar à minha volta
a ver a tribo toda a comer ovos e presunto
e depois vi as horas e pensei que o táxi
estava a chegar e eu tinha que sair.
E quando me ia levantar, a mulher sorriu
como quem diz: That’s it

e olhou assim à sua volta para o presunto
e os ovos e os homens todos a comer
e eu sentia-me mais forte, não sei porquê,
mas senti-me mais forte
e pensei que afinal não interessa Londres ou nós,
que em toda a parte
as mesmas coisas são

Ana Luísa Amaral

Ana Luísa Amaral nasceu em Lisboa em 1956, mudando-se aos nove anos para Leça da Palmeira. É doutorada em Literatura Norte-Americana com uma tese sobre Emily Dickinson. Publicou o seu primeiro livro de poemas, Minha Senhora de Quê, em 1990. Professora de literatura anglo-saxónica na Faculdade de Letras do Porto, tem poemas seus traduzidos em várias línguas. É ainda autora de alguma literatura para a infância. O poema acima transcrito foi publicado no seu segundo livro, Coisas de Partir, publicado pela primeira vez em 1993 e reeditado em 2001 pela Gótica.

16.5.06

Ciganagem

Parece mentira, mas não é. Se bem percebi, há uns meses foi lançado no Entroncamento um suposto boato segundo o qual algumas famílias de etnia cigana iriam ser realojadas pela Câmara Municipal daquele concelho. O Presidente da Câmara Municipal do Entroncamento, que dá pelo nome de Jaime Manuel Gonçalves Ramos, considerando o boato «sombrio e preocupante» apressou-se a desmentir o mesmo em carta dirigida aos respectivos munícipes. O tom da carta, à qual cheguei por intermédio do outro mundo, é pura e simplesmente monstruoso. Para quem afirma não haver racismo neste país, veja-se como, em concelho de província, o edil máximo se refere ao boato em causa, considerando-o «gravoso e prejudicial à imagem da nossa – dele(s) – Câmara»: «não realojei, nem realojarei qualquer família de etnia cigana vinda de fora do Entroncamento enquanto for Presidente desta Câmara». Talvez isto possa parecer normal a quem logo ocorra o raciocínio mais frequente: realoja um, vêm logo dois ou três, ai são tantos a realojar. Mas o senhor presidente faz questão de ser ainda mais assertivo, concluindo: «Não defraudarei a confiança em mim depositada!» Pergunto: e se a família não for de etnia cigana? Haverá alguma hipótese de uma qualquer família, vindo de fora, ser realojada nesse concelho? Se não, por quê essa discriminação das famílias, fazendo questão de demarcar a posição especificando uma etnia em concreto? Todos sabemos a razão de tais métodos. Quem lança o boato, saberá que junto da população a ciganagem é mal vista. Serão tão bem-vindos quanto uma praga de gafanhotos. Quem é vítima do boato, sabe do mesmo. E por isso, eximindo-se das suas responsabilidades pedagógicas mais básicas, o senhor presidente faz questão de esclarecer exclamando: «Ciganos aqui? Nem vê-los!» Permitam-me que desenterre do baú uma coisa que publiquei num outro weblog há já uns dois anos: Morei sempre ao pé de ciganos. Em Rio Maior, muito perto da casa onde vivi durante os primeiros doze anos, havia um acampamento com barracas todas jeitosas. Quando queria caixas de sapatos para os bichos de seda, eram os ciganos quem me as forneciam. Depois mudámos para um bairro burguês, mais classe média-alta. A cinquenta metros da nossa casa, num velho eucaliptal, sobrevivia um velho cigano na mais sórdida das condições. De vez em quando oferecíamos-lhe comida. As pessoas lá da terra tentaram, por diversas vezes, mudá-lo para um lar. Recusou sempre. Mesmo quando lhe propuseram um quarto autónomo, ele recusou. Preferia o desconforto a abdicar da pouca liberdade que tinha, dizia ele. Quando fui morar para Lisboa, onde vivi durante sete anos, era frequente escutar os ciganos que por ali residiam em alegres desgarradas. Cantavam, como sé eles sabem cantar, até esgotarem as reservas de cerveja. Agora moro junto a um bairro social que é por estas bandas conhecido como o «bairro dos ciganos». Quando digo a alguém que moro perto do Bairro Cigano noto, em algumas pessoas, uma disfarçada reacção de cisma. O mesmo acontecia quando trabalhei numa escola no Alto da Damaia, conhecida como a escola mais africana da Europa. Julgo que o facto de toda a vida ter morado ao pé de ciganos foi muito positivo. Mais que não seja para que quando alguém me diz que mora no Casal Ventoso, na Falagueira ou na Quinta do Mocho, eu não faça aquele mesmo ar que, de forma tão espontânea, denuncia o quão feia uma pessoa pode ser. Acrescento ao relato a experiência de quase dez anos de docência com adolescentes. Acreditem nisto: sempre que se discutem temas como discriminação, relativismo cultural, racismo, etc., sou obrigado a ouvir, não um, não dois, não três, mas vários adolescentes confessarem ódios do género: «Pretos, ainda vá que não vá. Agora ciganos e gays... nem vê-los!» De onde lhes vem este ódio? Eu acho que sei. Mas antes que o diga, gostava que o tema fosse do interesse não só de quem o discute com estes jovens mas de todos. Porque como dizia o outro, repito-me, «somos todos culpados de tudo e de todos».

CASAMENTO

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, peque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como «este foi difícil»
«prateou no ar dando rabanadas»
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos pela primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Adélia Prado
Adélia Prado nasceu em Minas Gerais no dia 13 de Dezembro de 1935. Começa a escrever poesia na sequência da perda da mãe, em 1950. Forma-se em Filosofia em 1973. Três anos depois, sob conselho de Carlos Drummond de Andrade, publica o seu primeiro livro de poemas: Bagagem. Em 1978 é-lhe atribuído o Prémio Jabuti pelo livro O coração disparado. Na sequência do sucesso começa a escrever prosa. Dirigiu o grupo teatral amador Cara e Coragem, exerceu as funções de Chefe da Divisão Cultural da Secretaria Municipal de Educação e da Cultura de Divinópolis, participou em vários encontros de escritores. Em 1991 foi publicada a sua Poesia Reunida.

Bloco de apontamentos # 25

S/ título
MJLF, S/ título, fotograma em cybachrome, 1994
Penduro os dias vagos da agenda no interior da cabeça e escrevo os teus pensamentos numa factura de supermercado que já paguei. Não tinha mais papel e estou com falta de espaço apesar de tudo estar mais largo à minha volta.
Maria João

AUTO-RETRATO

Rui Costa

15.5.06

PARA QUE SERVE (ATÉ AGORA) A POLÉMICA DA HORA

In Esplanar.

Sublinho: «A questão está em saber se Carrilho – por antipático, conflituoso e egocêntrico que seja − foi ou não objecto de fair treatment por parte daqueles que, agora, o acusam de falta de fair play. A avaliar pelo que se sabe sem recorrer ao livro (como leitor do Público, que sou desde sempre) é óbvio que não, e desde muito antes da candidatura. Aliás, esta manipulação no mínimo anti-deontológica de meios profissionais contra Carrilho não é sequer exclusiva da comunicação social: exemplo disso são as inacreditáveis sentenças proferidas por sucessivos juízes sobre a queixa de Carrilho contra um artigo infame de António Barreto (publicado no mesmo jornal que, com outro director, é certo, em tempos não publicou uma prosa de Pulido Valente sobre Espada). Nestas ocasiões as solidariedades são poucas e os seus efeitos nulos; o que conta é a credibilidade das acusações e a seriedade das defesas. Os acusados limitam-se a chamar-lhe ressabiado e fingirem-se vítimas de ataque, o que no país da vitimização e irresponsabilidade funciona sempre. Ora, justamente, é isso que mais credibilidade confere a acusações que não podem ser provadas: a imediata fuga ao escrutínio, mesmo que apenas ao auto-escrutínio.»
Mais esta: «O problema maior de Carrilho é a falta de autoridade para falar. Primeiro não lha reconhecem, porque em Portugal se odeia quem pense pela sua cabeça, mais a mais sendo-se «filósofo» (em Portugal, um insulto). Grande pensador, no jornalismo e na política à portuguesa, é Paulo Portas... Depois, porque quer pela sua devoção ao neopragmatismo, quer pela sua experiência política, nada disto o deveria ter espantado (...). Por fim, porque a sua conduta política desde o seu primeiro mandato como ministro sempre esteve eivada de características de promoção pessoal e de promiscuidade com uma corte bastante socialite que, quando as coisas se complicam, pouco ajudam e muito embaraçam.»

MULHERES

Desciam da cruz
Como aves de negro.
As asas abertas
Batiam soturnas
Na cinza de névoa
Das sombras nocturnas
E ousavam mistérios
De deuses secretos.

Mulheres ou bonecas.
Crianças ou velhas.
No barro das telhas
A chuva caía.
Caíam as folhas
Doiradas e secas.
Mulheres ou bonecas
Desciam da cruz
Na noite vazia.

Repetem-se os gritos
Represos mil anos.
Ecoam suspiros.
Ninguém sabe o rosto
Aos deuses tiranos:
Formigas, bonecas
De vozes tão roucas
Correndo, sofrendo,
Voando, voando.

Baloiçam-se negras
De véus e de Dores.
Nas asas de aviões
Que cortam as cores
Pregadas na cruz
- Infâncias que foram
De fadas e flores.

Natércia freire

Natércia Freire nasceu em 1920 em Benavente. Editou o seu primeiro livro de poesia, Castelos de Sonho, em 1935. A partir de 1938 começou a participar em várias revistas e jornais, iniciando colaboração com o Diário de Notícias, jornal de que foi coordenadora da página de artes e letras (de 1954 a 1974). A partir de 1974 retirou-se da vida literária nacional, marcando porém presença com alguns artigos de opinião nos jornais O Tempo e O Século. Em 1991 e 1995 editou a sua obra poética completa sob a chancela da Imprensa Nacional/Casa da Moeda. Faleceu em Lisboa, no ano de 2004. »

Bloco de apontamentos # 24

MJLF, página do livro O último tango, 2005
Quando observo os teus rastros penso sempre que estás convencido que és imortal – o teu quotidiano retrata bem o teu modo vago. Existem muitas formas de se ser superficial, mas quando a miserável condição humana nos bate à porta, tornamo-nos mais humildes; o mundo assim invade-nos com tanta intensidade que as palavras não existem para o descrever.
Maria João

SCUBA DIVE


Rui Costa

14.5.06

Bloco de apontamentos # 23

MJLF, S/ título, 1992

Sabes que não te moves apenas com o princípio do prazer? Entre a existência e a realidade o teu corpo projecta-se no espaço com uma forma temporal que segue os teus gestos ou os impulsos que te movem. Um dia a sombra vai-te apanhar, mesmo que não queiras. A minha já me bateu no ombro esquerdo na última vez que estive em Amesterdão. Até lá, aproveita bem.

Maria João

O lugar da cona? Se bem sei é entre as coxas.

Portugal já tem o seu Eros Blog: chama-se Lugar Comum. Embora mais dado ao erotismo do intelecto, o que lhe retira qualidades, as alusões estão lá, implícita ou explicitamente, em cada um dos posts editados. Leia-se: génio duro, circunstancialmente húmido, que nunca largaria nem seu tênis, nem seu pênis, costuma de partilhar os seus quartos com quem não pode ir para casa. Papa menina bonita carecida e aflita, fazendo fé em Schopenhauer, na sua mui física Metafísica do Amor, Dona Susana e seus três maridos, evitando assim que esta ceda à tentação irreflectida de se curvar. Passada a primeira semana ainda só entre nós, posso felizmente afirmar que já nos damos todos muito bem, as meninas e eu, the cook, the thief, his wife & her lover. Como ensina o bom Povo: a partir d’Abril, hormonas mil (a turvar a acuidade visual). E assim sucessivamente, culminando em taxativas confissões: Só quero conversa de cona. Será que Susana também?