TODOS OS ANIMAIS SÃO POLÍTICOS*
*a propósito e na sequência de posts e comentários abaixo.
Rui Costa
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dama said...
Eu tenho um segredo
Silêncio,
in Bicicleta dos dias ímpares.
in AD LOCA INFECTA.
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Recebo uma chamada de Amesterdão a avisar que o caminho está livre, ele tem andado por lá e por Paris. Aqui fica tudo tão distante e eu nunca soube o que fazer com os sonhos dos outros, tenho a língua presa, a minha língua prendeu-me. Um dia destes vou ter de a cortar.
Maria João
in Abrupto.
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Sonhei que me encontrava nas sinistras caves das Belas-artes, faltava-me ainda uma cadeira para terminar aquilo. É claro que quando acordei sabia que o pesadelo já tinha terminado há muito tempo, mas a sensação de pânico e atrofiamento acompanhou-me todo o dia de trabalho.
Maria João
Uma reencarnação de Sócrates passou na minha rua esta madrugada: reconheci-o pelo andar peculiar e pela barba prateada; ele trazia a miserável condição humana dentro de um saco plástico, pendurado na mão esquerda.
Maria João
in Estado Civil.
Parece mentira, mas não é. Se bem percebi, há uns meses foi lançado no Entroncamento um suposto boato segundo o qual algumas famílias de etnia cigana iriam ser realojadas pela Câmara Municipal daquele concelho. O Presidente da Câmara Municipal do Entroncamento, que dá pelo nome de Jaime Manuel Gonçalves Ramos, considerando o boato «sombrio e preocupante» apressou-se a desmentir o mesmo em carta dirigida aos respectivos munícipes. O tom da carta, à qual cheguei por intermédio do outro mundo, é pura e simplesmente monstruoso. Para quem afirma não haver racismo neste país, veja-se como, em concelho de província, o edil máximo se refere ao boato em causa, considerando-o «gravoso e prejudicial à imagem da nossa – dele(s) – Câmara»: «não realojei, nem realojarei qualquer família de etnia cigana vinda de fora do Entroncamento enquanto for Presidente desta Câmara». Talvez isto possa parecer normal a quem logo ocorra o raciocínio mais frequente: realoja um, vêm logo dois ou três, ai são tantos a realojar. Mas o senhor presidente faz questão de ser ainda mais assertivo, concluindo: «Não defraudarei a confiança em mim depositada!» Pergunto: e se a família não for de etnia cigana? Haverá alguma hipótese de uma qualquer família, vindo de fora, ser realojada nesse concelho? Se não, por quê essa discriminação das famílias, fazendo questão de demarcar a posição especificando uma etnia em concreto? Todos sabemos a razão de tais métodos. Quem lança o boato, saberá que junto da população a ciganagem é mal vista. Serão tão bem-vindos quanto uma praga de gafanhotos. Quem é vítima do boato, sabe do mesmo. E por isso, eximindo-se das suas responsabilidades pedagógicas mais básicas, o senhor presidente faz questão de esclarecer exclamando: «Ciganos aqui? Nem vê-los!» Permitam-me que desenterre do baú uma coisa que publiquei num outro weblog há já uns dois anos: Morei sempre ao pé de ciganos. Em Rio Maior, muito perto da casa onde vivi durante os primeiros doze anos, havia um acampamento com barracas todas jeitosas. Quando queria caixas de sapatos para os bichos de seda, eram os ciganos quem me as forneciam. Depois mudámos para um bairro burguês, mais classe média-alta. A cinquenta metros da nossa casa, num velho eucaliptal, sobrevivia um velho cigano na mais sórdida das condições. De vez em quando oferecíamos-lhe comida. As pessoas lá da terra tentaram, por diversas vezes, mudá-lo para um lar. Recusou sempre. Mesmo quando lhe propuseram um quarto autónomo, ele recusou. Preferia o desconforto a abdicar da pouca liberdade que tinha, dizia ele. Quando fui morar para Lisboa, onde vivi durante sete anos, era frequente escutar os ciganos que por ali residiam em alegres desgarradas. Cantavam, como sé eles sabem cantar, até esgotarem as reservas de cerveja. Agora moro junto a um bairro social que é por estas bandas conhecido como o «bairro dos ciganos». Quando digo a alguém que moro perto do Bairro Cigano noto, em algumas pessoas, uma disfarçada reacção de cisma. O mesmo acontecia quando trabalhei numa escola no Alto da Damaia, conhecida como a escola mais africana da Europa. Julgo que o facto de toda a vida ter morado ao pé de ciganos foi muito positivo. Mais que não seja para que quando alguém me diz que mora no Casal Ventoso, na Falagueira ou na Quinta do Mocho, eu não faça aquele mesmo ar que, de forma tão espontânea, denuncia o quão feia uma pessoa pode ser. Acrescento ao relato a experiência de quase dez anos de docência com adolescentes. Acreditem nisto: sempre que se discutem temas como discriminação, relativismo cultural, racismo, etc., sou obrigado a ouvir, não um, não dois, não três, mas vários adolescentes confessarem ódios do género: «Pretos, ainda vá que não vá. Agora ciganos e gays... nem vê-los!» De onde lhes vem este ódio? Eu acho que sei. Mas antes que o diga, gostava que o tema fosse do interesse não só de quem o discute com estes jovens mas de todos. Porque como dizia o outro, repito-me, «somos todos culpados de tudo e de todos».
In Esplanar.
Sabes que não te moves apenas com o princípio do prazer? Entre a existência e a realidade o teu corpo projecta-se no espaço com uma forma temporal que segue os teus gestos ou os impulsos que te movem. Um dia a sombra vai-te apanhar, mesmo que não queiras. A minha já me bateu no ombro esquerdo na última vez que estive em Amesterdão. Até lá, aproveita bem.
Maria João