Tá-se um gajo a apanhar sol e a ler Buzzati e vem o
Fernando Esteves Pinto, pelo lado direito. Começámos à porrada na praça que as mulheres e as pessoas percebam bem que os poetas são homens machos como os outros e para mais até. Apanhei do chão o que restou do Buzzati e do casaco e ajudei o Fernando a procurar o braço que lhe arrancara à dentada. Cumprimentámo-nos então e fomos tomar um café, abrindo caminho por entre a floresta de raparigas que davam gritinhos assustados. Chega o João Bentes, a Sara Monteiro, o
Joaquim Paulo Nogueira, vamos para Punta Umbría. Encontro em Punta Umbría entre escritores portugueses e espanhóis, a Aullido publicando uma bela
Antologia de Poesia Portuguesa Actual chamada
Poema Poema.
Ouvimos a Josefa a ler poemas portugueses e espanhóis. Que bela voz. Foi boa a ideia de a amarrarmos à cadeira para ela continuar a dizer poemas. E boa a surpresa de descobrir o
José Carlos Barros, de quem nunca tinha lido nada (e já por aí anda há uns tempos). O
Ensaio entre Portas (1997), do
Fernando Esteves Pinto, um belíssimo livro de poesia a pedir uma re-edição (quem se candidata?) com distribuição mais eficaz. Suave, intimista, ao mesmo tempo perspicaz e seguro
de linguagem, e os passos à volta da casa e o subentendido diálogo entre
mim e
ti, as portas abertas ou fechadas dentro da casa, a porta principal que dá para a rua e existe para os que lá fora passam e não a vêem, e assim o pequeno passeio através das portas que atravessamos entre nós e os outros e se chamam por exemplo sentimentos e nunca sabemos bem se são portas abertas ou fechadas. Lembro-me de como
ainda existe o mito de que as coisas bonitas e elevadas, verdadeiramente bonitas e elevadas, não se explicam, não se podem nem devem explicar, que coisa tão tola. O facto de o amor ser o resultado de uma reacção química a faiscar algures no nosso cérebro (e seja mais onde for) e não uma coisa vinda do céu, soprado pelo Belo Deus para nosso terreno encantamento, não o torna um sentimento menos nobre ou menos assombroso. Tentar perceber o sentimento, atravessá-lo de inteligência, embora seja certamente modificá-lo, não é exterminá-lo. Não querer ver é que é estúpido e destruidor e/porque gerador de mitos, essas supremas tão humanas ilusões. Perceber é corromper, mas todos somos corruptos como tudo o que sentimos. Ser corrupto é ser sensível ao sol, à presença de um corpo ao nosso lado, à insistência de uma ausência tão premente como a tua. Um toque teu serve para recompor o meu olhar, o meu passado todo.
Sessão improvisada de micro-contos no Café Viejo, a mote da amiga escritora Inmaculada Luna, com o
Luís Ene “em casa”. De memória:
- Era uma vez um guardanapo imaculado antes de ser meu (escrito no guardanapo por mim oferecido);
- Ela queria ser
maculada e só o nome a impedia (
Luís Ene).
Logo a seguir as bases do mundo-gelatina, esse mundo que não se explica porque, este sim, não se consegue explicar. Tem a ver com bolas de basquete e coisas grandiosas como mamas, não sei se tão a ver.
A antologia (voltarei a falar dela; pena algumas gralhas, essa passarada que sempre descobre o seu lugar, aqui sobretudo na versão espanhola desta edição bilingue) tem textos de Ana de Sousa, Fernando Cabrita,
Fernando Dinis,
Fernando Esteves Pinto,
Francisco José Viegas,
Henrique Manuel Bento Fialho, João Bentes,
José Agostinho Baptista,
José Carlos Barros,
José Félix,
José Mário Silva,
Luís Ene, Pedro Afonso,
Rui Costa,
Sandra Costa, Sara Monteiro e Teresa Rita Lopes.
Mas, que vejo agora, é ela, gelatina, é a gelatina, e o mundo estremece nos seus eixos, e os gelatinas deste mundo sorriem.
(ver tb aqui: http://escritaiberica.weblog.com.pt/)
Rui Costa