APOSTÉMICO
Imagem respigada aqui.
O inimigo do ecologista ou retrato do trabalho em Caldas da Rainha.

...se deixem contaminar do atraso do verão)

assunto, mais pesaroso e, por isso, menos interessante, prefiro por agora concentrar-me num exemplo do que para mim pode ser o jornalismo dito de referência. Calhou que na semana passada me viesse parar às mãos um exemplar da Notícias Magazine, revista publicada, como deveis saber, pelo jornal Diário de Notícias. A páginas 8, deparo-me com crónica de animado enlevo pela pena sempre sábia e irreverente da esbelta jornalista Fernanda Câncio. Quererão os leitores deste humilde texto saber sobre que assunto versava a dita. Pois bem, não me é possível satisfazer tal pretensão. Mas o enlevo era inegável, motivado por razões que à pena da jornalista escaparão mas às penas de um homem jamais passam despercebidas. Reparai, caro leitor, na imagem da jornalista sobressaindo no manto de caracteres como só as mais belas flores sobressaem nos mais harmoniosos jardins. Olhei a página e pensei: isto devia ser sempre assim. É verdade que também logo se me formou a imagem no pensamento de uma página como esta assinada, vá lá, por um Pedro Mexia em pose similar,
ou um Vasco Pulido Valente, ou um Rui Tavares… Subitamente concluí que, em nome do bom gosto e da nossa sanidade estética, aquilo não deve nem pode ser sempre assim. Mas com a jornalista Fernanda Câncio o grafismo adoptado resulta. Duas páginas depois, tratamento diverso foi dado à socióloga Maria da Paz C. Lima. Na sua crónica, tem direito a pouco mais que uma fotografia algo desenxabida. Nada contra os dotes feminis da autora, entenda-se. Mas por que não permitir à socióloga cativar os olhos dos leitores da mesma forma que à jornalista foi concedido esse direito? Digo mais. Não só estou convencido ser da mais elementar injustiça não oferecer à socióloga Maria da Paz C. Lima uma página com o mesmo charme, como julgo estarmos perante um caso de verdadeira discriminação editorial. Como tal, proponho que em próxima edição a socióloga apareça também em pose atraente e sensual. É uma proposta sincera e honesta, que faço apenas em nome de um jornalismo que se quer cada vez mais de referência e referencial. Porque não desejo alongar-me muito sobre o tema, permito-me apenas terminar com uma humilíssima sugestão que daqui envio à socióloga Maria da Paz C.:

escreve como quem fala: fala.
não se é escritor, por que o resto possa entrar.
quem lá viveu é que sabe, são eles que contam, a vida existe
mesmo - quando o escritor deixa a rua em paz. rua do ondjaki cheia;
de gente que come com a boca que tem e não com a boca do escritor que mente. o escritor sai porque os outros não se querem personagens. um livro sem personagens e sem escritor não é literatura porque a literatura mete as pessoas dentro de personagens e depois elas ficam fodidas da cabeça e só fazem aquilo que as pessoas fazem quando estão a ser descritas, que é a forma que o escritor tem de mostrar que é a pessoa mais solitária do mundo. portanto isto não é literatura, porque a literatura é a coisa mais ausente que o escritor conseguiu encontrar ao fim da outra rua onde nem sequer viveu. de maneiras que num livro assim não há linguagem, porque a linguagem vive de símbolos e os símbolos foram criados por rapazes e raparigas que não chegavam aos sítios com as mãos todas que temos quando nos calha água na boca ou um brilho na cabeça por causa do cacimbo ou do calor. digamos que há voz, falemos outra vez, com o corpo todo que não vai ao fim da rua,
cheiro-te, atinjo-te, agora vês-me,
a promiscuidade é a coisa mais pura que existe.
Rui Costa
