19.3.09
FIM
No fim de tudo dormir.
No fim de quê?
No fim do que tudo parece ser…,
Este pequeno universo provinciano entre os astros,
Esta aldeola do espaço,
E não só do espaço visível, mas até do espaço total.
Álvaro de Campos
Quem não acredita em vidas para além desta sabe nada haver de mais precioso na vida do que saúde e tempo. Com saúde podemos passar o tempo e pelo tempo sem sermos levados por contingências irremediáveis. Quero dizer que os quase seis últimos anos da minha vida foram ocupados, em grande parte, por este acto de partilha que é ter e alimentar um weblog. Em vez de divulgar centenas de poetas e de livros, em vez de cagar postas de pescada, em vez de exercitar a vaidadezinha da escrita como se tivesse algo de importante a dizer ao mundo, eu podia ter coçado as virilhas, podia ter jogado à bola com os putos do bairro, podia ter brincado mais com as filhas, podia ter dormido, podia ter visto mais filmes e lido mais livros, podia ter escrito canções e gravá-las num gravador de quatro pistas para mais tarde ouvi-las e rir-me delas, podia ter estudado alemão e francês, podia ter aprendido os nomes das flores, podia até ter sido atropelado por um cão. Em vez de ter gasto o meu tempo nisto, eu podia ter ocupado o meu tempo naquilo. Diz-me a experiência – 34 anos de vida hão-de servir para alguma coisa – que nada do que acabei de dizer faz sentido, pela simples razão de que viver não tem sentido, muito menos afirmá-lo como se isso fizesse algum sentido. Não acredito no destino, mas não duvido da sorte. Antes de ter um weblog enviava todos os dias um poema aos meus contactos. Fazia-o por e-mail. Transcrevia o poema verso a verso e depois partilhava-o. Se bem sei, a minha mulher guardou-os todos. Tenho um sótão apinhado de livros, CDs, filmes. Olho-os e interrogo-me: para quê tudo isto? Só encontro uma resposta, a mais simples e, talvez por isso mesmo, a mais certa: pelo gozo, pelo prazer, porque me sabe bem. Assim como me tem sabido bem ler os outros, sabe-me bem partilhar esse prazer. Assim como me tem sabido bem tomar contacto com isto e com aquilo, sabe-me bem oferecer aos outros esse contacto. Talvez procure sentir-me menos só num mundo que é o meu e que me calhou, não por destino, mas por sorte. Foi com esse espírito que escrevi o primeiro post, foi com esse espírito que comecei a publicar o primeiro blog, foi sempre com esse espírito e guiado pelas atitudes e pelos valores que estão na base desse espírito que resolvi ocupar grande parte do meu tempo partilhando. Por que me vou? Porque enjoei, porque já não tenho paciência, porque sim, porque estou cansado, porque tenho mais que fazer, porque me doem as costas, porque está um belo dia lá fora. Jamais esperei dos outros retribuição que não fosse a de aceitarem esse gesto de partilha tal como ele sempre foi. E foi bom saber que desse lado houve sempre quem o aceitasse, foi bom ter conhecido pessoas, foi bom ter lido pessoas, foi bom ter feito amigos, porque os fiz, foi bom, em suma, merdalhar-me convosco. A Maria João, por exemplo, chegou por causa do Dreyer. Se bem sei, foi o Alexandre Nave quem lhe falou do Universos Desfeitos (a casa onde nos encontrámos pela primeira vez). E como por milagre, isto é, como por palavra, a empatia aconteceu na partilha de um espaço comum. Gostei sempre muito de a ter aqui ao lado, ainda mais quando nos chateámos por causa de umas coisas que eu escrevi e envolviam um grande amigo seu. Acho que esse episódio serviu para que ela e eu percebêssemos que nenhuma cumplicidade se sedimenta sem desassombro, honestidade, frontalidade. Estas qualidades não são fáceis de suportar num mundo em grande parte construído nos bastidores. Acontece que nos bastidores eu sempre disse sim ou não com a mesma clareza com que o disse em palco. E isso custou-me… algumas chatices. No fim, tudo se torna lindo e maravilhoso. Até as coisas mais escabrosas, tipo Lázaros de pacotilha, tramas bovinas, acusações infundadas. As polémicas? São o que há de melhor, consoante sirvam para exercitarmos a retórica e alongarmos o raciocínio lógico. Tudo isto fez deste blog um local de passagem. Tenho consciência disso, assim como tenho consciência do reconhecimento sincero que me foi chegando pelos mais diversos quadrantes. Sem querer discriminar, não posso deixar de agradecer muito particularmente a todos os que me ofereceram mais um pouco de si próprios enviando-me trabalhos diversos, livros, revistas, CDs, etc.: Alexandre Bonafim, Amadeu Baptista, Ana Salomé, André Sebastião, António Luís Catarino, A. Pedro Ribeiro, Artur Aleixo, Changuito, Constança Lucas, Diogo Vaz Pinto, Eduardo Pitta, Fernando Esteves Pinto, Filipe Guerra, Graça Pires, Hugo Milhanas Machado, Inês Lourenço, João Urbano, Jorge Fallorca, Jorge Garcia Pereira, Jorge Reis-Sá, José do Carmo Francisco, José Miguel Silva, Lais Chaffe, Luís Ene, Luís Filipe Cristóvão, Luís Pedroso, Luís Serguilha, m. parissy, Miguel-Manso, Nicolau Saião, Nuno Costa Santos, Nuno Dempster, Olímpio Ferreira, Paulo da Costa Domingos, Paulo Kellerman, Paulo Moreiras, Paulo Serra, Pedro Afonso, Pedro Sena-Lino, Ricardo António Alves, Rodrigo Miragaia, Rubens da Cunha, Rui Almeida, Rui Manuel Amaral, Rute Mota, Sara Rocio, Silva Carvalho, Sílvia Chueire, Torquato da Luz, Victor Oliveira Mateus, Vítor Nogueira, Vítor Pinto Basto, Vítor Vicente, (peço desculpa se me esqueci de alguém). Agradeço também a todos os que me escreveram ao longo destes anos, muitas vezes pedindo esclarecimentos, fazendo sugestões ou simplesmente felicitando-me pela labuta aqui levada a cabo. Essa labuta não pode obnubilar (que rica palavra!) os colaboradores mais directos, Maria João e Rui Costa, assim como todos os outros devidamente referenciados na coluna do lado. Um abraço especial também para o Álvaro, que um dia me bateu à porta desafiando-me para um livro sem me conhecer de lado algum, e para o Vítor, por ter publicado uma série de posts do Insónia e ir publicar os poemas que o Jorge Aguiar Oliveira aqui foi divulgando em primeira mão. A terminar, duas notas: 1) após a leitura de dois e-mails, resolvi repensar a intenção de apagar os blogs (já comecei a apagar alguns posts da minha autoria e conto apagar mais, o resto manter-se-á tal como veio ao mundo); 2) saúde,
DIA 78
18.3.09
Fragmento #75 – A cidade dos anjos
Maria João
DIA 77
17.3.09
A LEI DA METAMORFOSE
DIA 76
16.3.09
CORRENTES PUXAM CORRENTES
VITA BREVIS
A vida é breve mas que a faz mais breve
não é morrer-se nem morrer quem foi
connosco nela espaço forma e tempo.
Que mais que a morte a humanidade encurta
e torna mais estreita a nossa vida.
Só brevemente e por um breve instante
seu corpo nos concede. E brevemente
é que pensar deseja que existimos.
Antes de mortos, antes de sozinhos
e apenas visitados de memórias,
já todos somos um jornal antigo
deitado fora sem sequer ser lido,
ou somos uma imagem desenhada
na borda do passeio em que se exibem
pisando-a com os pés que desenham
seus mesmos rostos que outros pés já pisam.
A vida é breve, breve, mas mais breve
quanto a quer breve a estupidez humana
fiel ao tempo ainda em que de espaço
o tempo se fazia e o pouco espaço
na terra imensa a todos não chegava.
5/1/1971
Jorge de Sena, in Poesia-III, Edições 70, pp. 139-140, Agosto de 1989. [Vão 20 anos sobre esta edição. Nas livrarias, raramente avisto os versos do Mestre. Raramente é nunca desde as Dedicácias para cá.]
APRENDER A CONTAR #76
Os filhos, contudo, acabaram por acreditar que os seus verdadeiros nomes eram os diminutivos que ouviam atravessando os campos e respondiam a esses diminutivos, construindo ideias sobre si mesmos baseadas neles. Não faziam a mínima ideia de que o seu nome verdadeiro e legal estava adormecido, à sua espera, num qualquer papel, em Chicago, que seria esse nome que teriam de acrescentar a «Mr.» e que seria com esse nome que, um dia, haveriam de morrer.
2/1/80
Holllestead Vallcy, Ca.
Sam Shepard (1943), in Crónicas Americanas, trad. José Vieira de Lima, Difel, p. 60, 1982.
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DIA 75
15.3.09
APRENDER A CONTAR #75
Não havia saída para o tédio e as escaramuças continuavam na cidade, dia e noite. A conquista da tranquilidade só era possível através da cobardia: fugir, fechar os olhos, não se preocupar senão com as insignificâncias da vida mais quotidiana. Os donos do poder, fantoches de palha a rebentar de vaidade, esmeravam-se em praticar a solenidade ridícula. Cada dia que passava tornava mais manifesta a ruidosa e mal dissimulada corrupção em que viviam. Como se isto não bastasse, as mulheres amadas ausentavam-se, deixavam de escrever e de telefonar, não se sabia onde procurá-las. Perdido de si mesmo na selva das ruas ou no isolamento do quarto, o herói da novela sentia o chão fugir-lhe debaixo dos pés. Apetecia-lhe desaparecer, ir viver em silêncio, próximo da verdade, até chegar a hora decisiva e definitiva da morte. Continuavam a chamar pelo seu espírito desolado as imponentes cadeias de montanhas do Norte. Na sua solidão, pensava, poderia conhecer enfim a mais pura essência do ser, esse enigma que perseguimos com ardor. Ou seria apenas uma última ilusão?
Ia deitar-se, noite adiantada, esperando que o dia seguinte tornaria menos odiosos os ingratos, os caluniadores, os ambiciosos sem escrúpulos e todos os mentirosos e oportunistas. Adormecia com esforço. Enquanto dormia ausentava-se do palco da vida e no sonho visitavam-no às vezes as imagens inocentes da felicidade infantil.
João Camilo (1943), in O Som Atinge o Cimo das Montanhas, OVNI, p. 39, Outubro de 2006.
DIA 74
14.3.09
DIA 73
APRENDER A CONTAR #74
Ela marca-o a baton carregado. Ele diz "limpa-me a Marilyn", deixa cair o cigarro para o canto da boca. Ela diz "não olhes para mim com essa carinha de Jimmy". Então ele dobra o músculo pelo vinco da tatuagem e ela escolhe na máquina dos discos um Elvis dos antigos, pensa para dentro "quanto mais difícil, mais romântico". Ele monta com um ar viril na Harley e acelera parado, ela julga que ele vai fazer algum disparate por causa dela e deixa cair uma alça da blusa. Olham fatais um para o outro e no compasso de espera um repórter aparece: "o que é que vocês pensam do amor?". Ele olha para o repórter com um ar ameaçador e diz "não chateies, estamos a amar, não vês?, não temos tempo de falar sobre isso, e se não sabes o que isso é, ama, ama para aí". Ela, para não lhe ficar atrás — excepto na Harley — põe um ar altivo, fixa-o fulminante e diz "Baby, leva-me à Foz". Ele diz "sobe", arrancam os dois, o repórter esfrega as mãos de contente, contribuiu para um Love, Love Me Do, regista no gravador portátil uma frase: "A vossa mala diplomática é o tesão fechado na braguilha". E depois vai ter com a namorada: "Honey, hoje fiz uma bela acção e desisti da reportagem que queria fazer".
Joaquim Castro Caldas (1956-2008), in Convém Avisar os Ingleses, Quasi Edições, p. 81, Março 2002.
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13.3.09
DIA 72
12.3.09
PÁGINA 161
(Mais tarde, Aristóteles restituiu características importantes do pensamento antigo e conseguiu, assim, uma síntese admirável do senso comum e da filosofia abstracta.)
Paul Feyerabend, in Adeus à Razão, trad. Maria Georgina Segurado, Edições 70, Janeiro de 1991, p. 161.
Passo a bola à Ana Salomé, ao Rui Almeida, ao manuel a. domingos, ao Lourenço Bray e à Rute Mota.
DIA 71
11.3.09
ESQUECIMENTO
Esse de quem eu era e que era meu,
Que foi um sonho e foi realidade,
Que me vestiu a alma de saudade,
Para sempre de mim desapareceu.
Tudo em redor então escureceu,
E foi longínqua toda a claridade!
Ceguei... tacteio sombras... que ansiedade!
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!
Descem em mim poentes de Novembro...
A sombra dos meus olhos, a escurecer...
Veste de roxo e negro os crisântemos...
E desse que era meu já me não lembro...
Ah! a doce agonia de esquecer
A lembrar doidamente o que esquecemos!...
DIA 70
«Nas fábricas, nos campos, nos escritórios, nos barcos, nas escolas, nas pequenas oficinas, nos hospitais, nos quartéis, nas prisões, nos postos de venda, nas obras, nos armazéns, é justamente considerado como um grande porco aquele que passa a vida a pregar umas coisas e depois faz outras». (&etc., Outubro de 1999)
10.3.09
ESTRANHA CRIATURA
atacado pelo desencanto,
no desespero e na frustração.
O teu comentário fez-me pensar em imensas coisas, mas a primeira que me veio à memória foi mesmo a figura obscura do padre Jean Meslier (1664 – 1729). Se não conheces a história, eu tentarei contá-la sem o estro que ela merece mas com honesta humildade. Este solitário enteado de Deus nasceu numa aldeia das Ardenas. Filho de um comerciante, acabou ordenado padre de Étrépigny. Ninguém poderia prever o que a morte revelou: um ódio impróprio de um servo, um servo sem Senhor que levou toda uma vida na mais inimaginável hipocrisia. Ao mesmo tempo que ouvia confissões, enquanto rezava missas e administrava sacramentos, este “padre sem Deus” depositava na folha a sua mais autêntica virulência, as memórias que um dia viriam a escandalizar o mundo dos comedidos tementes a Deus. Naquele tempo não havia Internet onde pudesse um homem vomitar suas memórias. Também ainda não tinham inventado os recuperadores de calor. O que havia era uma implacável fogueira ávida de ímpios, ou seja, de homens que pensassem pela sua própria cabeça, sem medo, desprendidamente, sem concessões; havia, simplifiquemos, uma maior facilidade em fazer calar as vozes incomodativas, desenfreadas, demoníacas, num certo sentido baudelairiano do demo, as vozes desprevenidas; havia uma relação metafísica entre as causas e os efeitos, o que impelia os incautos a várias cautelas e continha os arrebatamentos das mentes impuras (impuro não era apenas o que não fosse branco, eram todos os que questionassem o branco mesmo que o branco fosse evidentemente negro). Estou certo de que saberás como eram esses tempos. Avancemos. Durante quarenta anos, pela calada, este homem foi redigindo a sua Memória. Voltaire expurgou-o, muitas falsificações foram surgindo, Diderot terá bebido daquele sangue (não sei, Armand Farrachi diz que sim e eu não questiono a sabedoria de Armand Farrachi), gente diversa começa a citá-lo, para na segunda metade do séc. XIX Rudolf Charles finalmente publicar uma versão verdadeira do vómito que foi a Memória deste padre Jean Meslier. Tornado subitamente precursor disto e daquilo, a verdade é que de Meslier podemos afirmar apenas a revolta subterrânea de um homem SÓ (vai em maiúsculas para se perceber a dimensão de uma palavra tão estupidamente vulgarizada nos dias que correm em poemas de cacaracá), a mesma revolta subterrânea que muito mais tarde emergiu no génio de homens como Sade, Artaud (o mestre do teatro da crueldade), ou mesmo no romantismo de um Byron, de um Percy Bysshe Shelley, entre tantos outros (felizmente para quem os leia). Olha bem para a cor daquele ódio: «desejaria ter o braço, a força, a coragem e a massa de um Hércules para expurgar o mundo de todos os vícios e de todas as iniquidades, e para ter o prazer de abater todos estes monstros de tiranos de cabeça coroada, e todos os outros monstros, ministros de erros e de iniquidades, que fazem sofrer tão impiedosamente todos os povos da Terra. (…) Nunca são demasiados o ódio e a aversão por pessoas que causam sempre tão detestáveis males e que enganam tão universalmente os homens». E aponta a solução: «todos os grandes da Terra e todos os nobres enforcados e estrangulados com as tripas dos padres». Não aprecias a cor deste vómito? Não lhe sentes a beleza da autenticidade? Não te chega ao nariz a fragrância deste amor? Eu penso no padre Jean Meslier sem pretender lições, conclusões, penso simplesmente como quem se limita a senti-lo e dá-me um gozo tremendo, eleva-me o caralho às nuvens saber que, mesmo apodrecendo nas catacumbas, este homem soube sobreviver à fogueira dos seus alvos guardando em mão fechada o eco do seu ódio. Agora por aí anda esse eco, voando nas páginas dos livros e pairando sobre a terra como uma espécie de filtro que nos protege dos caprichos divinos. É assim a vida. Nada sublime, portanto. Daqui a pouco estaremos todos mortos e ninguém deu por nada. Na verdade, já estamos todos mortos. Talvez tu ainda não tenhas dado por isso. Talvez a isso se deva o levares-te tão a sério. Desimportantiza, homem. Mas não sejas injusto. Há uma coisa no teu comentário que me entristece. Acusas: «Vários são os posts onde se levantam insinuações e suspeições podres, ridículas muitas vezes». Diz-me um e eu prometo que me calarei para toda a eternidade. Um só. Um. É que eu sempre te tratei por tu, ao contrário de ti que começaste por me tratar por você. Lembras-te? E diz-me: pensarias o mesmo de mim se eu tivesse gostado da tua revista tanto quanto o intocável Júdice disse que gostou? Eu até pensava que já não visitavas o Insónia, depois de teres deixado de o linkar lá no teu melhor amigo aquando do debate sobre a putativa novíssima geração de poetas que foi sugerida no Ípsilon. E, já agora, por que é que me quiseste oferecer o primeiro número da Criatura? Diz-me se na tua opinião já nessa altura este espaço era um antro de mexericos, uma destilação de fel e de veneno. Não me digas que também te arrependeste. Constato que não me mandaste o segundo número. Ai como te odeio por isso! Fazeres-me gastar dinheiro desta maneira. Não te refreies, Diogo. Afinal, por que andas para aqui a patinar nas caixas de comentários de uma pocilga? Vomita que faz bem. Quando estamos ébrios, o melhor é mesmo despejar tudo cá para fora. Aprende alguma coisa com o teu amado Baudelaire. Vomita, vomita. Não te contenhas, vomita. Fazes muito bem em despejar sobre mim o teu vómito enquanto me acusas de despejar o meu. Olha, eu apaixonei-me pela minha mulher, já lá vão 17 anos, depois de ela vomitar para cima dos meus pés. Não queiras tu que acabe a apaixonar-me por ti.
P.S.: Resta dizer que não me arrependo de uma letra do que escrevi aqui. Voltaria a escrever exactamente o que escrevi, tendo em conta as circunstâncias que motivaram o post. Aliás, estou longe de ter sido o único a dizer o mesmo. Por que será que o Diogo só me censura a mim?
ONDAS
DIA 69 (o dia do hipérbato)
9.3.09
O HOMEM DO DIA
Medina Carreira: Quantas pessoas é que nos estão a ouvir? 50 mil?
Mário Crespo: Espero que mais.
Medina Carreira: 70 mil?
Mário Crespo: Hmmmm…
Medina Carreira: Pronto, 100 mil. Sobram 9 milhões e 900 mil que não ouvem nada.
Nota: apesar da televisão ter estado ligada na SIC, a generalidade da entrevista passou-me ao lado. O barulho que as miúdas faziam e a conversa com os sogros, regada por um belo tinto a acompanhar bifes tenrinhos com arroz de ervilhas, não permitiu a atenção que os intervenientes mereciam. Faço-me incluir, pelas razões expostas, nos 9 milhões e 900 mil surdos que à hora da entrevista tiveram mais que fazer do que escutar atentamente o homem do dia. Sobraram fogachos, o que já não é mau.
ANIMAIS
ANIMAIS
Infindável cortejo: formigas, elefantes, homens, chacais
catatuas, salmonetes… todos filhos de Deus, concebidos
à imagem e semelhança do seu inquietante rosto proteico
Rui Caeiro, in O Carnaval dos Animais, Letra Livre, p. 109.
APRENDER A CONTAR #73
Era uma vez um menino que gostava de atirar pedras à lua.
Quando chegava a noite, refugiava-se nas traseiras do quintal, acariciava as pedras que recolhera durante o dia (para dar sorte) e atirava-as, uma a uma, olhos fixos na lua. Quando sentia o braço cansado, ia para a cama e, exausto, adormecia de imediato.
Mas, um dia, o menino foi viver para a cidade, onde já não podia atirar pedras, pois feriria pessoas, partiria vidros, provocaria estragos (disse a mãe). A partir desse dia, nunca mais o menino conseguiu adormecer com facilidade, como antes. E nunca ninguém descobriu porquê.
Paulo Kellerman (1974), in Miniaturas, Edições Colibri, p. 36, 2001.